Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues

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Tudo é Relativo

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O meu 1º texto apresentado à Loja foi exclusivamente pessoal, e de apresentação. Sempre alimentei a ideia que, se vou conviver com outros — e mais ainda se esses outros dizem ser meus Irmãos e me consideram igualmente, é indispensável que nos conheçamos tão bem quanto possível.

Não tenho irmãos de sangue, mas tenho para mim que os irmãos, principalmente se de idades próximas e vivendo juntos, são as pessoas que melhor se conhecem. Não significa que são as que melhor se entendem, mas são as que melhor entendem reações, desejos, expectativas uns dos outros.

Se passava a fazer parte de um grupo de Irmãos, queria que os meus Irmãos me conhecessem, passassem a saber quem era aquele intruso que ousava perturbar aqueles trabalhos. Apenas isso: expliquei de onde vinha, de quem descendia, algo do que tinha feito na vida, e nada mais.

Portanto, um conjunto de informações avulsas e inócuas com base apenas na coincidência, aquelas coisas que não existem, de ter nascido no nº 37 da Rua Afonso Domingues, em Lisboa. Apenas discorri sobre isso. Na verdade, nada de interessante. Mas eu nem sequer sabia o que era uma prancha…

Posso dizer agora, a este respeito, que quem dá o que tem a mais não é obrigado!

Sendo assim, e não querendo desiludir demasiadamente o nosso Q.V.M., regresso aos momentos pessoais com algumas relações de grandeza.

1 – O Ananás do Natal

Nos meus tempos de criança, o Natal era vivido em casa dos meus avós maternos. Juntava-se a família toda, com primos incluídos. Estes avós, na verdade, este avô, era alguém que, na época, vivia com algum desafogo e, portanto, podia dar-se ao luxo de ter a família toda a comer à conta.

Um dos luxos do Natal era a presença, na altura da fruta, de um ananás. Na época, comer ananás era um luxo raríssimo que só a grande festa da Família justificava.

No final de 1963, em Angola, fui colocado com o meu chamado “grupo de combate” na Santa Filomena, uma fazenda a cerca de 150 km de Luanda, e a 14 de Maria Teresa, povoação à beira da estrada que, na prática, era fronteira com as terras do Ucua, e que ligava connosco por uma picada daquelas mesmo picada!

Fui recebido pelo dono da fazenda, que me fez a apresentação do seu espaço (literalmente a perder de vista) no morro mais alto da fazenda, onde ficavam as casas onde ele dormia quando lá ia, e onde morava uma família de Trás-os-Montes (Pai, Mãe e Filha).

A apresentação foi:

— Oh Sr. Alferes, vê isto à sua volta? Está no meio de 90 mil pés de ananás

Meu Deus, 90 mil pés de ananás (90 mil)…

2 – O Cinema

Na minha época de começar a sair de casa (14, 15 anitos), quando ia ao cinema, com algum sacrifício ia ao Royal ou ao Lys, ambos desaparecidos há muitos anos e que ficavam longe… a menos de meia hora a pé da minha casa.

Bastante mais tarde, e para alguns ainda hoje, um passeio a Cascais ou a Sintra exigia, no mínimo, preparação de véspera e despedida da família. São 30 km (finais da década de 50).

Em 1964, estive colocado com a minha gente em Zenza do Itombe, um pouco mais para lá em relação à Santa Filomena onde tinha estado antes. Era zona com várias povoações e uma estação de comboios importante. A missão era tomar conta da estação e da linha férrea, ligação para o Leste e para o Sul.

E no Zenza, como nós dizíamos, eu também ia ao cinema mais próximo. Ia ao cinema a Luanda. Fazia 400 km para ir ao cinema (400 km).

3 – A Distância e o Buraco Negro

Ainda no nosso último Solstício de Inverno, discutimos a distância do local do nosso encontro anual. Tratava-se do nosso encontro único no ano. Qual era a distância? Entre 30 a 50 km para cada um de nós. E discorreu-se sobre essa distância e o respetivo incómodo…

Iríamos ter o nosso encontro anual à distância de entre 30 e 50 km.

Há umas semanas, apareceu em jornais e TV a notícia da descoberta de um buraco negro muito próximo da Terra. Ó diabo, um buraco negro muito próximo da Terra, para mim é preocupante.

Um buraco negro é uma representação da anti-matéria, o que significa que qualquer coisa que se aproxime — seja o que for — é engolida! Some-se! Desaparece! Transforma-se em energia!

E este buraco negro está muito próximo da Terra… apenas a 54 milhões de anos-luz. Caramba, 54 milhões de anos-luz! E está muito próximo!

Reflexão Final

São estas as dimensões com que lidamos, quer as compreendamos quer não. Eu, quando me confronto com estes números, encolho-me ainda mais e a tendência é a de ficar encolhidito no meu canto. Não me baralhem ainda mais. Para mim chega assim.

Bom, já tomei mais tempo do que seria desejável. Meus Irmãos, olhemos à nossa volta e percorramos as nossas preocupações. As preocupações diárias com o que temos e, principalmente, as preocupações diárias com a possibilidade de perdermos o que temos.

E deixo a pergunta: o que é que temos? Qual o valor dos nossos metais? Quando deixamos os metais à porta do templo… de facto estamos a deixar o quê? Será que é alguma coisa importante?

Estive no meio de 90 mil pés de ananás. Vale a pena sentir-me importante por comer ananás todos os dias? Se isso acontecesse, e não acontece!, estaria a comer apenas 365 ananases num ano.

Fiz 400 km para ir ver um filme, eventualmente manhoso. E agora tenho um buraco negro ao pé da porta, bem pertinho… são só 54 milhões de anos-luz!

Fica para pensarmos todos um bocadinho sobre a importância do que temos e, principalmente, muito principalmente, sobre a importância do que somos.

J. Paiva Setúbal M∴M

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