A∴G∴D∴G∴A∴D∴U∴
Venerável Mestre,
Meus queridos Irmãos, em todos os vossos graus e qualidades.
Há músicas e expressões populares que, pela sua simplicidade e sonoridade, captam melhor do que muitas palavras ou frases filosóficas as perplexidades da alma. Uma delas ecoou-me na minha primeira sessão como 2ºV∴ desta nossa respeitável loja, ao fazer um gesto que, embora rotineiro e observado bastantes vezes, me pareceu subitamente estranho. O malhete encostado ao peito para me colocar “à ordem”.
Foi nesse instante que, no silêncio do Templo, adaptei o popular e famoso Malhão à nossa Arte:
Ó malhão, malhão, que raio de malhete és tu!
De onde vem este gesto?
Que sentido tem? É ritual?
Ou simplesmente foi um erro que se tornou hábito, que virou costume, fez-se tradição e adaptou-se como princípio?
Nunca se valeu como norma, muito menos se fundamentou como Lei, Landmark.
Não nos afastámos assim do nosso ritual?
Gostamos e estamos num mundo simbólico, onde cada gesto tem o seu tempo, e cada instrumento o seu lugar. Entre eles, o malhete, insígnia da autoridade, é símbolo de direcção e decisão.
A Enciclopédia Britânica difere entre mallet, ferramenta prática, e gavel, instrumento de direcção e autoridade. Em português, ambos são “malhetes”. Os nossos irmãos ingleses também diferenciam entre o common gavel, uma das ferramentas dos aprendizes, e os gavel e maul usados pelo Venerável e Vigilantes para chamar a loja à ordem, guiar e direccioná-la.
Poderá ter origem no já tantas vezes debatido tema das traduções dos rituais franceses para os nossos, mas no final de contas, à data de hoje, entre nós, na RLMAD, o malhete também serve para algo mais. O representar o sinal de “à ordem” de vigilantes e venerável mestre, encostando-o (…).
Mas é esta representação ritualmente sustentada?
Será que, ao fazer do malhete uma extensão do sinal de “à ordem”, estamos a honrar ou a desvirtuar o ritual?
No nosso Ritual do Grau de Aprendiz, aprovado pela GLLP/GLRP, na secção de Pedido da Palavra, diz que:
“Os Vigilantes usam da palavra sentados (tal como o Secretário e o Orador), ou, se de pé, (…). Desfazem o sinal por forma idêntica ao desfazer do sinal de Aprendiz. Para os restantes gestos rituais (…) deverão previamente poisar o malhete.”
Todas as outras referências, no ritual, são ao golpe do malhete, ou, no caso do Muito Respeitável Grão-Mestre estar presente ou algum seu representante, o V∴M∴ fazer a entrega do malhete, ou na cerimónia de iniciação o malhete (…).
Não há qualquer outra referência ou instrução sobre o uso do malhete como sinal “à ordem”. Pode parecer dúbio, e até acredito que se tente extrapolar esse uso a partir da descrição do gesto para pedir a palavra. No entanto, parece-me claro que o uso do malhete ao peito está associado exclusivamente ao uso da palavra.
Não o entendo como sendo parte do estar “à ordem”, nem tampouco aos restantes gestos formais, como é explícito na citação que vos fiz.
Na nossa Loja, a Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues, e noutras que visitei, é costume que os Vigilantes se coloquem “à ordem” com o malhete (…), quer durante a saudação ritual, quer durante as deslocações (…).
Mas, ao aceitarmos que o malhete ao peito equivale a estar “à ordem”, deparamo-nos com um paradoxo. O próprio ritual afirma que “ninguém se desloca em Loja à (…).”
Ora, quando os Vigilantes percorrem as colunas com o malhete (…), estarão ou não a contrariar esta norma ritual explícita?
Ou simplesmente foi um erro que se tornou hábito?
Que virou costume?
Fez-se tradição e adaptou-se como princípio?
Nunca se valeu como norma, muito menos se fundamentou como Lei, Landmark.
Até na secção do nosso ritual sobre Deslocações em Loja, onde, cito:
“Ninguém se desloca em Loja à ordem e todas as deslocações são (…), excepto:
- Na verificação dos graus e qualidade dos presentes na Loja, o Primeiro Vigilante, (…).
- Na Cerimónia de Iniciação, (…)”
Todo o detalhe do ritual, nomeadamente nesta parte, faz a exceção da deslocação em (…) por parte do 1.º vigilante, para que a mesma seja possível, mas para o mesmo momento ritualístico, a verificação de colunas, não faz exceção da deslocação “à ordem”, que existiria caso fosse ritual fazer o sinal à ordem com o malhete no (…).
Mas se os trabalhos do maçom só começam ao (…) e a verificação de colunas é feita antes do (…) em ponto, não quererá dizer que até esse momento, onde está esta verificação de colunas, poderá ser usado costume da loja?
Não. Sem dúvida que os trabalhos se iniciam ao (…) e são abertos, neste caso, no primeiro grau, mas o Ritual dos Trabalhos começa na Abertura, com o MC a informar da entrada do VM no templo e colocando todos os II (…).
Durante visitas que tive o privilégio de fazer a Lojas em Inglaterra, observei um procedimento diferente.
- A verificação das colunas é feita sem qualquer sinal de “à ordem” pelos Vigilantes;
- estes verificam, mas só se colocam à ordem no momento solene em que comunicam o resultado ao VeM, e fazem-no com o malhete pousado na mesa.
O malhete é o instrumento do Vig para dirigir trabalhos e marcar decisões.
Não é um símbolo de submissão e, por isso mesmo, não deveria ser confundido com o sinal “à ordem”, que é, justamente, a representação simbólica da disciplina maçónica face à autoridade ritual.
Ao usarmos o malhete para fazer esse sinal, estamos a fundir dois gestos com significados distintos. A autoridade do cargo com a obediência ao cargo.
O que está em causa não é apenas a literalidade do gesto, mas a sua incoerência simbólica.
O malhete, enquanto instrumento de direcção e autoridade, representa a palavra que orienta, marca a ordem.
O sinal de “à ordem” é um acto de respeito, de escuta e de disponibilidade para a orientação instruída.
São assim, digamos, simbolicamente opostos. Um representa o comando e o outro, o respeito ao comando. Ao misturá-los, perdemos a clareza simbólica que nos é tão importante.
A posição de estar “à ordem” não pertence a um cargo, pertence ao maçon.
É a forma ritual de dizer “estou presente”, “estou disponível”, “estou em sintonia com o que se vai passar”. E isso, MMQQII, não se representa com autoridade e malhetes, mas sim com entrega, disponibilidade e paixão.
Depois desta minha curta preleção, peço que cada um faça o mesmo tipo de análise, fugindo ao típico “foi assim que aprendi”, sejamos um pouco mais lógicos e perguntemo-nos o porquê das coisas.
Profanamente se diz que “Roma e Pavia não se fizeram num dia”, ou adaptemos para a nossa realidade:
“Loja justa e perfeita em maçonaria, não se ergue num dia.”
E pensemos:
- Os Vigilantes, quando se colocarem “à ordem”, não deveriam pousar o malhete sobre a mesa e realizar o sinal tal como os demais Irmãos, (…)? No fim de contas, somos todos maçons e iguais aos olhos do G∴A∴D∴U∴.
- A verificação de colunas, pelos Vigilantes, como é feita actualmente com o malhete apoiado (…), não estará ritualmente bem feita? Não por ser tradição, mas sim por não ser o estar “à ordem”. Sendo o malhete um símbolo do cargo e não da condição pessoal do maçon, não deve substituir nem ocultar o gesto consciente que é o estar “à ordem”.
- Adiantando já possíveis comentários, o estar à ordem com espada está pormenorizado no nosso ritual. Porque não com o malhete?
Ó malhão, malhão… que raio de malhete és tu?
És símbolo de comando ou de submissão?
De silêncio ou de palavra?
De presença ou de gesto?
Não confundamos aquilo que serve para dirigir com aquilo que deve obedecer.
Em Loja, cada sinal é um ensinamento, cada gesto, uma palavra silenciosa.
Que possamos, humildemente, ter coragem para rever o que fazemos, não por vaidade ou simplesmente mudar por mudar, mas para dar sentido a cada sinal, movimento e até ao silêncio.
E que, quando nos colocarmos à ordem, estejamos verdadeiramente em ordem, com o Ritual, com o Símbolo, com o Sentido e com o Grande Arquitecto Do Universo.
Disse.
João B. M∴M∴


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