Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues

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À DESCOBERTA DO BRASIL

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A∴G∴D∴G∴A∴DU

VM / MQI

Em 22 de Abril de 1.500 Pedro Álvares Cabral desembarcou num local que considerou ser um porto seguro no hoje litoral Sul da Bahia, e reivindicou essas terras como posse da Coroa Portuguesa.

Encontrei três termos para designação desse momento, são eles: – Descoberta, Descobrimento e Achamento.

A esse território Cabral chamou-o de Vera Cruz, porém D. Manuel, o então Rei de Portugal rebaptizou-o de Santa Cruz.

Os documentos e mapas da época mencionam-no como Terra de Santa Cruz, ou ainda como Terra dos Papagaios, como aparece nalguns documentos de comerciantes e diplomatas florentinos.

Só em 1.512 aparece o primeiro manuscrito a utilizar o termo Brasil, designação esta que se encontrava já oralmente difundida pelo povo, devido às suas árvores de pau-brasil, e que veio gradualmente a suplantar as outras, baptizando definitivamente o país…

Há quem defenda que o primeiro a chegar a essas terras não foi o Cabral, mas sim um espanhol de nome Vicente Yáñez Pinzón, que terá chegado ao lugar hoje denominado Cabo de Santo Agostinho no litoral Sul de Pernambuco, cerca de três meses antes, mas que não terá reivindicado a posse desse local para Espanha no respeito pelo Tratado de Tordesilhas.

Com todas estas dúvidas e porque também eu já tinha feito uma primeira viagem, não sei bem se de descobrimento ou achamento, e porque a tinha feito integrado num grupo, resolvi preparar-me e partir numa nova, desta vez, exclusiva de Viajante, que seria, decididamente…

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À DESCOBERTA DO BRASIL

Após essa primeira incursão levada a cabo em 2.005 a Alagoas, no Nordeste Brasileiro, com base em Maceió; num compromisso, como já referi, meio viajante meio turista, gostámos muito de algumas das coisas que visitámos, mas teríamos ficado mais nuns locais e decididamente, não teríamos ido a outros, e porque, de todo não gostei mesmo daqueles trajectos de autocarro nem do guia-cassete, que, coitado, tentava ser simpático, prometi a mim mesmo que a viagem seguinte seria mesmo de viajante, sem percursos e visitas programadas por terceiros e assim seleccionou-se o mês de Outubro por se saber ser um mês não turístico e elaborou-se um “roteiro”, novamente para o mesmo Nordeste, com base em leituras diversas, a internet incluída, … sim na altura já a havia, estávamos já em 2.007.

Viajamos pois em voo comercial regular TAP (TP151E) entre Lisboa e Recife, e daí, do aeroporto fomos direitinhos para o alojamento que tínhamos seleccionado e previamente reservado; ficámos numa antiga fazenda de coco, junto ao Rio Formoso, que soube manter (pelo menos ao tempo mantinha), a estrutura antiga do sítio, um local calmo e tranquilo, com apenas 14 acomodações distribuídas por uma ampla propriedade, no meio de jardins num espaço de muito verde; éramos 7 pessoas e ocupamos três bungalows.

Na manhã seguinte durante o pequeno-almoço descobrimos que éramos os únicos clientes do espaço, era uma sexta-feira, no dia seguinte já havia mais hóspedes mas continuámos a ser os únicos estrangeiros.

Fomos muitíssimo bem recebidos e ainda melhor tratados; nem sequer vos vou falar no queijo coalho com mel do engenho nem dos frutos do mar, mas posso dizer-vos que tínhamos 3 opções para chegar à praia fluvial, onde uma pequena lancha exclusiva nos esperava e nos levava até á praia marítima, e as opções eram:

– A Pé, o que só fiz uma vez,

– Numa Volkswagen Pão-de-forma com ar condicionado modelo OW (para quem desconheça, o modelo é Open Window), e, a minha preferida

– A Cavalo, … (eram umas pilecas mansinhas!).

A lancha levava-nos então à praia marítima, a um pequeno paraíso chamado Praia dos Carneiros, onde está uma icónica capelinha, erguida no século XVII, bem na borda-d’água e dedicada a São Benedito. Para participar na celebração da Eucaristia tem que se acertar no último domingo de cada mês; é ao meio-dia.

Não éramos muitos, as portas ficam abertas; quem estava em fato de banho ficou no exterior, ali mesmo num pier de madeira sobranceiro às águas em preia-mar.

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O nome da Praia dos Carneiros, que era originalmente, Praia de Carneiros originou-se do sobrenome de um dos seus antigos proprietários, a saber, José Henrique Carneiros.

A Praia dos Carneiros exibe um lindo e limpo mar azul esverdeado, que fica mais belo ainda com os coqueiros quase que debruçados sobre a areia branquinha e a muita beleza envolvente.

Ela, com as suas águas claras e mornas é considerada uma das praias mais bonitas do Brasil, eu diria, mesmo do mundo, pelo menos daquele que eu conheço.

A praia dos Carneiros também é acessível por estrada, mas são dez quilómetros, dos quais cinco são de terra, ou então a pé pela praia, o que perfaz cerca de 40 minutos de caminhada; é o isolamento na medida certa.

A praia dos Carneiros é aquele lugar que a gente visita e não quer mais ir embora.

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O mar calmo de águas mornas favorece o banho, mas apela também aos passeios de barco oferecidos por alguns “lancheiros” locais; que são, ou pelo menos ao tempo eram, pescadores que fazem/faziam uns biscates.

Num dos dias utilizámos o serviço de um desses “lancheiros” que nos levou, num passeio de maneira mais intimista, a visitar a área do manguezal. Na caminhada que aí fizemos, não sei porquê veio-me à memória o hoje tão noticiado Cabo Delgado, Moçambique onde estive em cumprimento do S.M.O., nas margens do Rio Rovuma, e uma estranha e um pouco incómoda sensação invadiu-me.

Talvez fosse por o chão ser de areia, ou fosse devido ao tipo de vegetação, ou ainda o facto de por ali existirem vários trilhos sinuosos, não sei o porquê, mas senti-me, não direi incomodado, mas pelo menos inquieto por estar a percorrer aqueles trilhos e desarmado (stress pós-traumático de guerra, provavelmente!).

Partilhei essas lembranças com o lancheiro, e acabei por lhe explicar que tinha estado na guerra colonial em África e que aquele espaço era de certa forma parecido com o do Norte de Moçambique, ao que o mesmo me retorquiu que aquela terra que pisávamos tinha sido um chão de guerra, mais propriamente da guerra travada contra os Holandeses que ocuparam aquele local quando Portugal passou a ter como Rei Filipe II de Espanha, e é por isso que além, disse ele apontando a outra margem, está erigido (sic) “aquele cruzeiroque representa a vitória dos brasileiros e a expulsão dos holandeses.

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É claro que no dia seguinte, dos sete que éramos, três de nós fomos visitar “aquele cruzeiro”, os outros quatro preferiram a praia, e não os critico; e ficámos a saber que a informação do lancheiro não era a mais completa.

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E ficámos pois a saber que “aquele cruzeiro”, no fundo uma cruz simples com os braços de finalização trilobada que me fez lembrar a Cruz Processional entregue em 1.214 ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, no cumprimento do expresso no testamento D. Sancho I, era um marco que sinaliza o local onde outrora existiu um forte que ficou conhecido como o Forte do Reduto. Fica na Margem direita do Rio Formoso mais ou menos a dois quilómetros da sua foz.

Ainda sobre a cruz simples, a teosofia explica o sentido místico da cruz como sendo originário do dualismo andrógino presente em todas as manifestações da natureza; a cruz é ainda aceite como a conjunção dos opostos, sendo o eixo vertical masculino e o eixo horizontal feminino; o positivo e o negativo; o homem e a mulher; o superior e o inferior; o tempo e o espaço; o activo e o passivo; o Sol e a Lua; a vida e a morte; espírito e matéria, etc., etc.. (isto de ter sido co-fundador Capítulo n.º 10 – Mosteiro de Santa Cruz, tem as suas consequências).

Mas voltemos ao Forte do Reduto que esteve no local onde hoje está erigido o tal “Cruzeiro”.

Em 1.580, Portugal passou para o domínio espanhol.

A Holanda era, até então, aliada dos Portugueses mas “a contrario” também grande inimiga dos Espanhóis.

Para proteger as embarcações que transportavam valiosíssimos suprimentos, nomeadamente de munições e pólvora, e evitar que as mesmas fossem impunemente atacadas, Matias de Albuquerque, primeiro e único Conde do Alegrete, ao tempo Governador-Geral do Estado do Brasil, mandou erigir esse reduto na entrada da barra do rio Formoso.

O forte tinha capacidade para abrigar apenas uma bateria de duas peças de 6 libras cada.

No comando dessa, ao tempo, nova instalação militar foi colocado um antigo Capitão de Milícias do povoado, de seu nome Pedro de Albuquerque (hoje nome de escola pública na cidade mais próxima – Tamandaré) que recebeu 20 homens para guarnecê-lo, sendo um deles, de nome Mesquita, o seu bravo artilheiro.

Em muito pouco tempo este punhado de homens conquistou a eternidade na defesa deste Reduto, pois em 7 de Fevereiro de 1.633 durante a expansão do domínio holandês em direcção ao Rio São Francisco, as tropas holandesas (cerca de 600 homens) comandadas pelo então major Von Schkoppe, atacaram o Forte do Rio Formoso.

Armado apenas com as duas referidas peças e com uma guarnição, como antes se referiu, de apenas 20 homens, os combatentes/defensores do reduto recusaram a intimação para rendição.

O Reduto virou Forte, e fortemente resistiu a três pesadas acometidas do inimigo.

Ao quarto assalto, os holandeses conseguiram enfim entrar no reduto, onde encontraram toda a guarnição morta, e vivo encontraram apenas um combatente, o seu comandante, Pedro de Albuquerque, gravemente ferido, mas de espada na mão.

As perdas dos holandeses atingiram as 80 baixas.

O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, no início do século XX, fez erigir o referido cruzeiro, um monumento no qual consta a seguinte inscrição:

“Aqui, ao mando de Pedro de Albuquerque, vinte intrépidos guerreiros, a 7 de Fevereiro de 1.633, repeliram quatro ataques de seiscentos holandeses, produzindo-lhe a perda de oitenta homens. Intimados a capitular, preferiram morrer pela integridade da Pátria. Nunca soldados cumpriram melhor o seu dever.”

Os holandeses saíram dali apenas em 1.645 em consequência da Insurreição Pernambucana, restaurada já a independência de Portugal.

Regressámos à Praia dos Carneiros via Tamandaré, como já referimos, a cidade mais próxima, a que acedemos por via fluvial e ficámos a saber, num dos raros relatos registados de um tsunami que tenha atingindo o Brasil, que em 1.755 Tamandaré foi atingida pela onda gerada pelo Terramoto de Lisboa, tendo a mesma onda causado duas mortes, e atravessámos então parte daquele Brasil profundo que não aparece nos folhetos turísticos; e vimos …

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… crianças a jogar à macaca …

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… estendais de roupa à beira rio … ,

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… casas palafita, literalmente sobre as águas … , e

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casas de pau a pique maticadas, como eram designadas em Moçambique, mas que por ali são denominadas de casas de Taipa.

No dia seguinte, e mais ou menos ao acaso percorremos o município de Tamandaré.

Tamandaré é uma localidade bastante antiga, cuja denominação, oficialmente, resulta do acidente geográfico que é a baia de Tamandaré.

Segundo o escritor José de Almeida Maciel, o topónimo Tamandaré (Tamanduar-é) significa “aquele que se assemelha ao tamanduá”, ou “o que sobe às árvores como o tamanduá”, ou ainda “o que faz o papel de tamanduá.”

Contudo, a população no seu geral, nomeadamente a de classe mais povo, tem uma outra definição que relaciona Tamandaré com o vocábulo tupi Tamoindaré (Tab-moi-inda-ré) que significa “o repovoador”.

Na tradição dos índios tupis, Tab-moi-inda-ré seria um pajé, a quem Tupã, o grande deus dos trovões, revelara o seu desígnio de exterminar os homens.

“Assim quando houve o cataclismo que inundou a terra, Tab-moi-inda-ré foi o escolhido por Tupã para repovoar a região, e quando o mesmo ocorreu já este havia embarcado numa arca gigantesca com sua família que com ele lá permaneceu até cessar o dilúvio”.

Visitámos uma série de cachoeiras, algumas em terrenos privados que não permitem a entrada de veículos (viajávamos de “Pão de Forma” claro!) e tivemos que fazer percursos a pé, não demasiado grandes, para as visitar; outras eram mesmo à beira da estrada.

Seriam seis ou sete, e é claro que não me lembro dos nomes delas, que também não vêm nos roteiros, mas algumas eram excepcionalmente belas e refrescantes.

Continuámos a nossa viagem de exploração e de repente, saído do nada aparece-nos um edifício abandonado; o motorista não ia sequer parar, teve mesmo que engrenar a marcha atrás.

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Era a Igreja de São José de Botas de Ouro, que viemos a saber ser uma construção do final do Século XVIII, edificada em terrenos pertencentes aos herdeiros de tal Nestor de Medeiros Accioly.

É uma edificação em estilo colonial português, encontrando-se no seu frontispício o que me disseram ser o brasão de São José; um esquadro, um compasso em posição de C\, e ainda uma régua e um serrote, todos estes símbolos ornados por lírios; estes, sabemos serem o símbolo de S. José.

 

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Ao tempo a construção de igrejas, para evitar a proliferação de novas crenças estava limitada a Confrarias e Irmandades no regime de Padroado (regime de concessão de benefícios pelo protector) o que terá sido o caso dos Ricos Comerciantes (assim ali seriam chamados, à época, os Maçons).

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Encontramos também estes símbolos em Lisboa na Rua de São José, mais propriamente nas cartelas que ladeiam o medalhão com a imagem do Padroeiro, na fachada da Igreja de São José dos Carpinteiros, reedificada após o terramoto de 1.755, por Caetano Tomás de Sousa (o mesmo mestre da obra da Basílica e Palácio de Mafra), sobre as ruínas de uma ermida construída em meados do século XV, pela Irmandade do mesmo nome (de São José dos Carpinteiros), confraria que integrava os ofícios de carpinteiro e pedreiro.

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De notar que a época é a mesma, fins do séc. XVIII, pós terramoto de 1.755, mas aqui os símbolos dos carpinteiros e dos pedreiros aparecem separados e não num conjunto único como aquele no Brasil, sendo que no símbolo dos pedreiros nesta edificação de Lisboa os elementos do mesmo não aparecem em nenhuma das posições da M\.

Mas voltemos ao Nordeste Brasileiro …

… E passaram-se os seis dias previstos para serem cumpridos naquele recanto, e, com alguma pena lá tive que partir pois havia concedido perante muita insistência de uma parte do grupo, aqueles mais turistas que viajantes, que passaríamos dois dias em Porto de Galinhas.

E passámos dois dias nesse porto que mesmo depois da abolição da escravatura continuou a receber cativos africanos e a traficá-los, correndo então de boca em boca, quando chegava um navio negreiro, que havia galinhas no porto, acho que o pregão correcto seria: tem galinha nova no porto; e daí adveio o nome da localidade que anteriormente se chamava Porto Rico devido à abundância de pau-brasil.

Diz-se que conjuntamente com os escravos vinham também as aves denominadas galinhas d’angola.

E, mesmo estando em Outubro, e por isso o local estava relativamente calmo, passámos dois dias em turismo de plástico e fomos tratados como turistas (não sei porquê lembrou-me a Costa da Caparica!).

Decorridos esses dois dias, lá partimos em direcção ao aeroporto do Recife, pois um de nós regressava a Lisboa, o que aconteceu, e lá ficámos, agora apenas seis, e já a caminho de João Pessoa.

Em João Pessoa alojámo-nos num aparthotel, novamente daqueles que não vêm nos roteiros turísticos, mas que fica na avenida marginal, por coincidência denominada de Almirante Tamandaré, na primeira linha de mar, a menos de cem metros do tido como “o melhor hotel da cidade” e dez vezes mais barato.

O nosso aparthotel tinha apenas rés-do-chão mais três andares, aliás como todos os prédios da primeira linha de mar para não cortarem as vistas aos de segunda e seguintes linhas, possuía no terraço um bar e uma piscina que nunca utilizei, pois com tanto mar e tanto que ver não me sobrou tempo.

Ficámos ainda a saber que “o melhor hotel da cidade” afinal, mesmo sendo o único que fica na orla marítima, para lá da avenida, estava edificado de costas voltadas para o mar e dobrado sobre o seu umbigo!

Mas voltemos a João Pessoa, que é uma capital que mistura a tranquilidade com a beleza. Quem ali chega logo se apercebe do seu ritmo desacelerado, o que nos permite ter pequenos prazeres, como caminhar na areia e mergulhar no mar, sem grandes esforços.

A orla marítima da cidade, com os seus edifícios baixos, edificados em “escadinha” conforme as linhas em que se situam, muitos coqueiros e toda a proximidade com o mar, é um convite para andar e sentir a brisa do mar.

Vou-vos poupar e não vou falar na culinária, que mistura peixes, mariscos e outros frutos do mar aos sabores do sertão que se cola ali ao lado, e tudo isto sem exagerar no preço, coisas que o paladar e o bolso agradecem.

Depois de percorrida a solo a zona envolvente do nosso alojamento no que restou do primeiro dia, procurámos e contactámos um agente de “turismo receptivo”, como ali lhe chamam, que possuísse uma viatura com condutor, e de sete lugares, visto sermos seis e desejarmos circular todos no mesmo veículo. Telefonema feito, agente encontrado e marcámos um “city tour” para as oito horas do dia seguinte.

Oito horas, erro de programação, pois João Pessoa é a cidade onde o Sol nasce primeiro … é errando que se aprende; deveríamos ter saído muito mais cedo, o que aprendemos.

A viatura pedida estava à nossa espera, apresentámo-nos, fomos recebidos com profissionalismo e cordialidade até, o motorista não era antipático, mas como já tínhamos tido um que nos parecera melhor … !

Iniciámos o “tour” e eu que tinha minimamente estudado a cidade perguntei se o trajecto era fixo ou se podia sugerir alguma alteração, ao que o motorista/guia me respondeu que desde que não saísse muito do normal poderia fazer alterações, e se as tinha quais eram, ao que retorqui que gostaria de passar por um edifício que mesmo sabendo estar fechado gostaria de ver, era a L\ Branca Dias sobre a qual havia lido.

A reacção do motorista foi reduzir a marcha, olhar-me de frente e lançar-me a pergunta: – mas, interessa-se por esse tipo de edifícios ou instituições?

Ao que respondi: de certa forma interesso-me pelas duas coisas.

Imediatamente virou à esquerda e foi dizendo: temos aqui mesmo uma coisa dessas, mas julgo que também esteja fechada. Era uma vivenda e tinha, além dos símbolos apenas uma sigla – GLEPB.

Já fora da viatura reparei que, discretamente sob o farolim traseiro esquerdo da mesma, havia um pequeno autocolante, a que ele chamou adesivo, que tinha nada mais nada menos que um compasso e um esquadro na posição de C\.

Ficámos calados a olhar um para o outro e eu avancei; – estendi-lhe a mão direita e disse: desculpe, como é mesmo o seu nome?

Ao pegar a mão dele subtilmente dei-lhe o toque e tive de imediato e resposta, soletrámos e ficámos a saber que éramos II\ e como tal demos um tríplice abraço perante uma admiração e espanto por parte de um dos casais que nos acompanhava e a quem ainda não teria contado nada sobe a minha pertença à nossa Aug\O\.

É claro que eu sabia muito bem que ele se chamava Fernandes e igualmente, presumo eu, que ele não se tivesse ainda esquecido do meu nome.

Como por magia o rosto dele modificou-se, era outra pessoa, facto que eu comentei com ele, tendo o mesmo explicado que tinha amanhecido com aquele ar aborrecido porque o motorista/guia que deveria estar ali connosco tinha faltado, e ele, o dono da empresa, não podia permitir que os clientes ficassem sem o serviço, pelo que teve que tomar ele o seu lugar; e logo acrescentou: tinha que ser! Não há mesmo coincidências; tínhamos que nos encontrar, M\I\!

É claro que não cheguei a conhecer esse seu empregado, pois sempre foi ele, o Fernandes, que todos os dias nos veio buscar e acompanhar, o que muito espantava os funcionários do Aparthotel, tendo um deles chegado mesmo a perguntar-me se éramos mesmo irmãos, pois não era habitual o Fernandes chamar assim a alguém, nem ser habitual ser ele pessoalmente a prestar aquele tipo de serviço.

A partir daí o Fernandes passou a ser nosso guia desde manhãzinha, bem cedo, até ao almoço … e M\I\ daí em diante, pela tarde fora.

Já que falei em almoço, e embora tenha prometido não voltar a falar em comida, abro aqui uma excepção só para dizer que almoçámos quase sempre naquilo que eles chamam de “Barracas de Praia”, e nós por cá chamamos-lhe restaurantes, pois ele, o Fernandes, ao tempo era o presidente da associação desses industriais.

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Não sei se repetimos alguma dessas “barracas”; creio que não, mas ainda bem que não me lembro senão teria que vos falar em carne de sol, macaxeira, farofa de charque, arroz de leite, feijão de corda, rubacão, buchada de bode, tapioca, e ainda nos peixes fritos e nos mesmos ao molho de frutas nordestinas, no camarão ao tamarindo ou no arroz de caranguejo, e não vamos perder tempo com essas coisas!

Mas voltemos ao Fernandes e ao ponto em que nos reconhecemos; ali ele comentou: – esta está fechada mas também não interessa, é irregular, vamos à minha que tem sempre um I\ que a guarda e é regular.

E lá fomos e visitámos o espaço, muito amplo e construído de raiz; achei-o diferente embora reconhecesse os símbolos, também nunca tinha entrado num espaço com decoração específica do Rito Adonhiramita.

No final da visita o I\ Guarda estava de colar de Hosp\ e de saco preto na mão, e, … isso mesmo, … apresentou-nos, aos homens, o tronco da viúva, acrescentando que, como eu certamente saberia, aqueles valores se destinavam a beneficência, e eles tinham muita a cumprir.

A partir daqui organizámo-nos e visitámos muito, não tudo, mas bastante do que havia a visitar, uma parte como turista é claro, mas sobretudo e sempre com alma de viajante; ele foram monumentos, praias, mercados, feiras (uma há que ficou para o futuro, mas hei-de lá ir, a “Feira de Caruaru” ali ao lado no sertão, tão bem cantada pelo nosso I\, Rei do Baião, o sanfoneiro cantor Luiz Gonzaga que, segundo me disseram, terá apresentado em L\ uma prancha cantada denominada Acácia Amarela cujo texto é o que segue).

Ela é tão linda é tão bela
Aquela acácia amarela
Que a minha casa tem
Aquela casa direita
Que é tão justa e perfeita
Onde eu me sinto tão bem
Sou um feliz operário
Onde aumento de salário
Não tem luta nem discórdia
Ali o mal é submerso
E o Grande Arquitecto do Universo
É harmonia, é concórdia
É harmonia, é concórdia

luizgonzaga

É em Caruaru que se realiza a maior feira do mundo a céu aberto, e Luiz Gonzaga tem lá o seu museu.

João Pessoa tem muito, muito mesmo para ver e nos prender, desde logo a L\ Branca Dias que antes referimos, cujo nome lhe foi atribuído em homenagem a uma mulher de seu nome Branca Dias Coronel, que terá nascido em Viana do Castelo, em 1.515, e falecido na Capitania de Pernambuco, em 1.589.

No processo nº 5.736 do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, consta que Branca Dias, casada com o mercador Diogo Fernandes e filha de António Afonso e Violante Dias, é cristã-nova, natural de Viana e moradora em Lisboa.

Acusada de judaísmo, ela foi sentenciada, em 12 de Setembro de 1.543, a abjuração pública, dois anos de cárcere e hábito penitencial, ficando reservada a sua comutação e dispensa.

Branca Dias apresentou uma petição ao Santo Ofício, em que pediu dispensa do tempo que lhe faltava cumprir, tendo sido a mesma concedida, talvez em razão de ter filhos pequenos para criar, e foi nessa altura que partiu para o Brasil com os sete filhos que então já tinha, para ali se juntar ao marido.

Com uma existência entre história e lenda, considerada uma das heroínas do Brasil Colonial e de Pernambuco, Branca Dias foi, no Brasil do século XVI, a primeira mulher a manter uma ”esnoga” (sinagoga) em suas terras, teve pelo menos onze filhos, portanto mais quatro já nascidos no Brasil; foi a primeira “mestra laica de meninas”, e, senão a primeira, uma das primeiras “senhoras de engenho”.

Há evidências de que ela seja descendente do último rabino-mor da Espanha, Abraham Senior, ou de um dos seus irmãos, já que são eles os inauguradores do sobrenome Coronel.

Decorrido meio-século sobre o seu processo no Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição voltou a processar a família de Branca Dias, desta vez já no Brasil.

No processo de nº 4.580, do Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, consta que sua filha Beatriz Fernandes, a Alcorcovada, natural de Viana de Caminha e residente em Pernambuco, foi acusada de judaísmo.

Presa em Olinda a 25 de Agosto de 1.595, ela foi sentenciada, em 31 de Janeiro de 1.599, “a ir ao Auto de Fé, abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial perpétuo, penitências espirituais, além do confisco de bens”. É muito interessante esta última parte da sentença, que não comento: – o confisco de bens.

Com esta visitação, que foi a primeira do Santo Ofício ao Brasil, nos finais do século XVI, os filhos e netos de Branca Dias, incluída uma filha que o seu marido teve com uma criada, foram presos sob a acusação de reconversão ao judaísmo e enviados para Lisboa, onde foram igualmente punidos em autos-de-fé.

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O Edifício da L\ Branca Dias encontra-se desde 1.980 registado no Tombo do Instituto do Património Histórico e Artístico do Estado da Paraíba.

João Pessoa tem hoje essa denominação em homenagem a João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque que foi presidente do Estado da Paraíba, tendo promovido uma série de reformas na estrutura político-administrativa que contribuiu para o saneamento financeiro do mesmo.

João Pessoa foi candidato a Vice-presidente do Brasil na candidatura de Getúlio Vargas (Aliança Liberal) tendo sido assassinado por um seu opositor político João Dantas, por ter tornado públicas cartas íntimas trocadas entre este e sua amante.

João Pessoa é a terceira cidade mais antiga do Brasil tendo sido fundada em 1.585 como “Nossa Senhora das Neves” após a vitória dos portugueses sobre os potiguares; em 1.588 passou a chamar-se Filipeia de Nossa Senhora das Neves, em homenagem a Filipe II de Castela; em 1.634, quando conquistada pelos holandeses, e durante oito anos, passou a ser designada pelo impronunciável nome de “Friederistadt”, que o povo rapidamente apelidou de “Frederica”; finalmente de voltou ao domínio português, em 1.654, tendo então passado a chamar-se Parahyba do Norte, até assumir a sua actual designação.

João Pessoa, foi, e não sei se ainda o é, considerada pela ONU, a segunda cidade mais verde do planeta (a primeira é ou pelo menos então era Paris); dizem os seus habitantes que o júri era maioritariamente europeu … dizem ainda que sendo uma cidade com tantas belezas naturais e com tão lindas praias (e têm-nas!), apenas não têm grande afluência de turistas, e lastimam-se por isso, por se encontrarem entre os dois grandes Polos turísticos do Nordeste Brasileiro, o Natal e o Recife.

Eu, pessoalmente, prefiro-a assim como está, ou estava; oxalá não a estraguem/tenham estragado.

Relativamente ainda a este facto vou contar aqui um episódio interessante que aconteceu perto de Tambaba, região considerada um local ecológico onde os coqueiros nascem nas pedras e onde existe uma praia de naturismo, julgo que a primeira oficial do Brasil.

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Fica aqui o aviso que não é permitida a entrada homens desacompanhados de mulheres na área reservada!

Mas voltemos ao episódio interessante; aqui nos arredores de Tamababa encontrámos um outro guia turístico que pela sua fisionomia e sotaque logo se notava que a ser paraibano seria de adopção, e era de facto, dava pelo nome de Jörg Schwermann, tendo para ali sido atraído por uma das belezas naturais de João Pessoa, de nome seu Fernanda, que se tornara entretanto a mãe da sua filha.

Dizia Jörg, que a cidade de João Pessoa tem tudo o que as outras capitais do Nordeste têm, menos a fama, vai daí que muitas das suas praias se encontrem desertas; o seu Carnaval é mais frio, mas tem as águas mais quentes, e, com o dedo indicador virado a Sul, acrescentava … Bem! Até praia oficial de nudismo tem por aqui!

O Jörg não sabe “porrque rraio” os “cabrras” dos “turristas” não “descobrrirrram” ainda João Pessoa!

Na opinião de muitos paraibanos o Jörg estava carregado de razão … e eu acrescento, … e de protector solar.

Sei que isto já se começa a alongar, mas tenho que falar ainda no “fuso horário” local; como já antes se referiu o Sol aqui nasce mais cedo; às quatro e meia já clareia e às cinco horas já há gente a fazer jogging nas praias e na rua, sim na rua, a avenida de Cabo Branco é interditada ao trânsito entre as 5 e as 7 horas, da manhã claro!, enchendo-se de muitos adeptos das caminhadas, das corridas e das bicicletas!

É claro que visitámos esse Cabo Branco, é obrigatório, e sobre o promontório, Fernandes, o nosso guia/irmão sentencia: – este é o ponto mais Oriental das Américas, por conseguinte o local mais próximo de África de onde os navios negreiros trouxeram os escravos para os nossos engenhos que tão boa cana e açúcar davam e dão; dizem que se olharmos fixamente e com atenção conseguimos ver um negro …

… Bom, … olhei em frente e fingi que olhava fixamente a linha de mar no horizonte, que era o que apenas via, e aí o Fernandes conclui: não é olhar fixamente em frente, tens que olhar para baixo, para a praia!

… Filho da Mãe! … e não é que lá em baixo, na praia, havia mesmo dois ou três?!

E visitámos tudo, ou melhor, quase tudo aquilo a que nos tínhamos proposto, pois oito dias acabaram por ser pouco tempo; visitámos Igrejas, de São Francisco, da Misericórdia, e mais umas quantas; Conventos e Mosteiros vários; as Ilhas, do Picãozinho e da Areia Vermelha; o Pôr-do-Sol ao som do Bolero de Ravel na Praia do Jacaré; o Marco do Km Zero da Transamazónica no Cabedelo …

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e a sua Fortaleza de Santa Catarina que para alguns historiadores brasileiros é “o maior e mais respeitável monumento histórico da Paraíba”.

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Do mais que visitámos brevemente vou referir apenas e por último a localidade de Lucena, pois o Fernandes entendeu que nos devia levar lá.

No Cabedelo tivemos que apanhar a balsa para Lucena, um pouco primária mas com um ar de robustez e segurança suficientes, e lá seguimos, nós e a nossa viatura, entre outros passageiros e viaturas de vários tipos e classes, rumo à margem esquerda do Rio Paraíba.

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Desembarcámos, e como boa margem esquerda, era, como todas as outras margens esquerdas que conheço, mais pobre, digo mesmo, bastante mais pobre que a margem direita; pobre, mas limpa, organizada e arrumada.

Iniciámos a viagem de carro e rapidamente descobri porque ali me levava o Fernandes, Lucena respira Maçonaria por todos os poros, e, se bem percebi, também a Beneficência que me tinha sido falada quando me apresentaram o tronco da viúva, como antes referi.

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Poucos minutos depois chegamos a um espaço denominado “Complexo Maçónico Eugénio de Souza Falcão” que fica precisamente na Rua Maçon Francisco Alves dos Santos; ali têm também um Templo onde reúne a R\L\ Estrela d’Alva que se encontrava, à época da nossa visita, ainda por acabar no exterior, por rebocar e com o tijolo à vista; contudo a parte social e assistencial, imediatamente a seu lado “CEMA – Maçom Luiz França Sobrinho” e o “Centro Cultural e de Lazer Maria Yvete Lins”, já se encontravam devidamente rebocados e pintados.

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Trata-se de uma escola oficial patrocinada pela M\ e um espaço cultural com uma série de valências e uns alojamentos onde os II\ da cidade podem passar pequenos períodos de descanso, e dar uns bons mergulhos em sossego, dado os mesmos se situarem literalmente “de pés na água”; praticamente com uma praia privativa, o que também não fará grande diferença, dado que todas as que vi estarem quase desertas; lá tivemos que provar um petisco numa delas, o que muito alegrou o proprietário que se desfez em atenções por sermos portugueses, o que, pelos vistos, era novidade por aquelas bandas.

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A escola de Ensino Médio e Fundamental – Maçom Luiz França Sobrinho (é esta a designação oficial) entre outras (muitas) actividades tem uma banda marcial de percussões que farda de branco e negro sendo o seu desfile encabeçado pelo seu brasão que integra um esquadro e um compasso.

Lucena é um município, elevado a essa categoria apenas em 1.961, fica na Região Metropolitana de João Pessoa e a sua população, disseram-me ser de cerca de 12.000 habitantes, quase todos eles gente de baixa renda, como dizia o Fernandes.

Lucena é praia …

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… e mais praia; …

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… são pelo menos 15, cada uma mais bela que a outra e a outra, e os seus habitantes, parece que com razão, gabam-se e orgulham-se de ter a melhor água de coco do mundo.

Como nota final aconselha-se o regresso a João Pessoa novamente por balsa e na carreira das 17H30; são 20 minutos de puro deslumbramento, é um autêntico e perfeito 2 em 1; somam-se uma viagem sem excesso de calor e a vivência de um momento único, um magnífico pôr-do-sol, o mesmo já antes referido a respeito da Praia do Jacaré, mas visto com menos turistas, no nosso caso absolutamente sem turistas, e de outro ângulo.

Convém aqui referir que, nesta longitude, Febo não repousa no Oceano, mas sim lá para os lados do Sertão.

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Foi muito agradável, educativa e interessante esta viagem, especialmente os dias passados em João Pessoa, ou Jampa, como carinhosamente lhe chamam os seus habitantes.

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De caminho e apenas como curiosidade vou referir que jampa é uma palavra da língua tibetana (བྱམས་པ) que significa amor (… isto de ter uma filha Budista tem destas coisas, … nem sequer vou referir que jampa é também o nome com que ela baptizou a sua cadela …).

A única queixa que ouvi aqui e ali na região de João Pessoa foi que a polícia era demasiado musculada, mas acho que foi isso que me permitiu, na última noite que ali passámos, ir sozinho às 22 horas ao Mercado de Artesanato, ali ao lado do Aparthotel é verdade, mas como disse, sozinho, fazer umas compras (souvenirs) de última hora.

Ainda há espaços para onde apetece viajar e mundos novos por descobrir que felizmente não vêm nos panfletos turísticos…

Desculpa-me lá ó Jörg, e tu também, M\Q\I\ Fernandes pois sei que vivem disso.

E assim andámos à descoberta, fomos e iremos, espero, continuar no descobrimento de um Brasil que parece ter muito ainda para ser achado.

Com uma pequena paragem em Olinda, que tem uma vista maravilhosa, regressámos a Recife, ao aeroporto, que foi a única coisa que visitámos nessa cidade e embarcámos rumo a Lisboa (TP154E), tendo a viagem, não sei porquê, sido mais cansativa e demorado muito mais tempo, embora o relógio teimasse em nos dizer que tinham decorrido as mesmas 7H45 da viagem de ida…

Disse V∴M∴

Alberto R S  M∴M∴

 

 

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Comentários

Um comentário a “À DESCOBERTA DO BRASIL”

  1. Avatar de Marco Oliveira
    Marco Oliveira

    M∴Q∴ Ir∴

    Parabéns por esta prancha maravilhosa.

    Já tinha vontade de conhecer a Região Metropolitana de João Pessoa, por causa de uma reportagem que vi há algum tempo.
    Agora, com este testemunho, fiquei ainda mais motivado a visitar.
    Muito obrigado pela partilha!

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