O sobrinho de Fernando Pessoa
Talvez não saibam mas um dos meus Irmãos de Loja é sobrinho direito de Fernando Pessoa.
Luís Rosa Dias, médico de profissão, dedicou a sua vida a estudar a actividade do tio e desse estudo resultou um acervo enorme constituído por livros escritos e adquiridos, pinturas, conferências, etc.
O Luís tem diversas conferências já preparadas que lhe servem de base para as que apresenta e que adapta em função das circunstâncias e da plateia para quem irá falar.
Eu já tive a oportunidade de assistir a diversas conferencias sobre Fernando Pessoa e confesso que a que mais me emociona é a que o Luís faz apresentando o homem, em vez do poeta. Isto é importante porque temos tendência para nos centrarmos muito na obra das pessoas que se destacam, esquecendo-nos muitas vezes que, por detrás está uma pessoa com toda a sua complexidade natural.
O Luís fez hoje (2018.05.14) uma palestra sobre o tio Fernando, que naquele tempo “escrevia” e que era visita corrente “lá de casa” – a expressão foi “lá em casa havia três adultos, os meus pais e o tio Fernando“.
De tudo o que foi referido hoje, destaco dois poemas que foram escritos em circunstâncias familiares bastante específicas e que por respeito não vou mencionar. São contudo poemas que ganham um significado especial quando se enquadram no momento em que foram escritos. Transcrevo os poemas:
Havia um menino
Havia um menino,
que tinha um chapéu
para pôr na cabeça
por causa do sol.
Em vez de um gatinho
tinha um caracol.
Tinha o caracol
dentro de um chapéu;
fazia-lhe cócegas
no alto da cabeça.
Por isso ele andava
depressa, depressa p’ra ver se chegava
a casa e tirava
o tal caracol
do chapéu, saindo
de lá e caindo
o tal caracol.
Mas era, afinal,
impossível tal,
nem fazia mal
nem vê-lo, nem tê-lo:
porque o caracol
era do cabelo.
O carro de pau
O carro de pau
Que bebé deixou…
Bebé já morreu
O carro ficou…
O carro de pau
Tombado de lado…
Depois do enterro
Foi ali achado…
Guardaram o carro
Guardaram bebé.
A vida e os brinquedos
Cada um é o que é.
Está o carro guardado.
Bebé vai esquecendo.
A vida é p’ra quem
Continua vivendo…
E o carro de pau
É um carro que está
Guardado num sótão
Onde nada há…
António Jorge