Marquês de Pombal
Marquês de Pombal
A consagração do Marquês de Pombal num monumento, no alto da Av. da Liberdade, em Lisboa, data de 1882, ano das grandes comemorações nacionais do centenário, mas a respectiva inauguração só foi possível muitas décadas depois. Precisamente a 13 de Maio de 1934, com Salazar em primeiro ministro (que não compareceu ao acto) e o General Carmona na Presidência da República, que também não se associou à cerimónia. Concretizava-se, após inúmeros acidentes de percurso, um projecto dos arquitectos Adães Bermudes e António do Couto, com esculturas de Francisco Santos, Simões de Almeida (sobrinho) e Leopoldo de Almeida, escolhido, em concurso público, que desencadeou enorme celeuma nos meios artísticos, intelectuais e políticos.
Seria este o primeiro monumento dedicado a Pombal? A estátua equestre a D. José, no Terreiro do Paço, ao ser concebida por Machado de Castro, integrava, na parte da frente, um medalhão com o marquês de Pombal. Foi retirado, em 1777, mal subiu ao trono D. Maria II. É da tradição que o marquês, ao darem-lhe a notícia, observou:«Ainda bem;o retrato não se parecia nada comigo…».Morreu D. José a 24 de Fevereiro de 1777. No dia imediato, houve a reabilitação dos presos políticos. Eram às centenas. Uma testemunha que os viu sair, andrajosos, esfomeados, esqueléticos, dos cárceres de Pedrouços e da Junqueira, do Barreiro, de Cacilhas, de Belém e do Limoeiro, dos conventos transformados em penitenciárias, disse que se assistia à «ressurreição de mortos!» Começou o ajuste de contas, a hora da terrível vingança. O povo insurgia-se, nas ruas, incitado pelas famílias dos presos ou por sua iniciativa própria.
Pombal, a 1 de Março de 1777, solicitou a exoneração de todos os cargos. Também quis ausentar-se de Lisboa. Aceite o pedido, resolveu ir para o seu palácio de Oeiras. À cautela, perante manifestações de hostilidade, enviou várias carruagens, à frente da sege de aluguer em que seguia. Ao ser identificado em Belém foi apedrejado. Posto isto, e para se sentir mais protegido, refugiou-se na sua casa de Pombal. Em princípios de 1779, desencandeou-se o célebre processo instaurado por Francisco Galhardo de Mendanha, residente em Abrantes, a quem Pombal teria enganado na venda de uma propriedade, exilando-o depois para a Ilha Terceira, a fim de o reduzir ao silêncio.
Três graves acusações pendiam sobre Pombal: abusos da sua posição oficial para defraudar particulares, entre os quais o de obrigar pessoas a vender-lhe propriedades por preço inferior ao seu real valor, e o de não pagar as suas dívidas; roubos ao Estado, como nos contratos dos diamantes, e do tabaco e na apropriação, para a família, de valiosos terrenos na capital; arbitrariedades de natureza política.
A estas acusações acrescentaram-se muitas outras e de muitas outras pessoas de vários extratos políticos e sociais. Pombal, acto contínuo, escreveu uma defesa que constituía, ao mesmo tempo, uma apologia de toda a sua carreira política (Contrariedade ao libelo oferecido por Galhardo Mendanha). Nessa refutação, atribuía a si as realizações de benefício público, e declinava sobre o Rei a responsabilidade das violências praticadas.
A 3 de Setembro de 1779 publicava a Rainha um decreto que considerava a posição assumida pelo Marquês um libelo contra os seus ministros e, fundamentalmente, um insulto à memória do seu pai. Entretanto, publicavam-se em Londres as Cartas Inglesas, o folheto anónimo Letter from Portugal on Late and Present State of that Kingdom. Admitiu-se a hipótese em Lisboa das cartas serem escritas pelo próprio Pombal, que ousava divulgar segredos de Estado. Dois juízes, Luis da França e Bruno Monteiro, foram nomeados para submeter Sebastião de Carvalho a um apuramento dos factos. Demorou o interrogatório três meses e meio. Ouviam-no durante cinco, seis e sete horas consecutivas. Perdeu a energia física e a resistência moral. Lavado em lágrimas, pediu misericórdia, implorou o perdão da Rainha. Espectro do que fora encontrava-se, sem a força do poder e da autoridade, como qualquer mortal, sujeito às fragilidades da condição humana vexada e amordaçada pela sua vontade despótica. Falecia a 8 de Maio de 1782, no ostracismo.
O medalhão com a sua efígie, na estátua de D. José, na Praça do Comércio, viria a ser reposto no Liberalismo. Começava a reabilitação histórica do grande condenado. Um decreto de 10 de Outubro de 1833 determinou que a imagem em bronze do Marquês de Pombal, Sebastião José Carvalho e Melo, que havia sido arrancada do pedestal da estátua equestre de el-rei D.José, fosse reposta no mesmo lugar. Pode ler-se no preâmbulo do decreto: “Que o Marquês de Pombal fora o português que mais honrou a sua nação no século passado.
Que fora distinto pelos seus conhecimentos variados, firme pelo seu caracter;instruído pelas suas meditações e viagens, e sobretudo dotado de um amor da pátria, de um zelo do bem público, e de um interesse pelo decoro e independência nacional, que sempre o levara nobremente a promover o bem do seu país, e a naturalizar nele as vantagens da indústria, da civilização, do comércio e das artes. Que a inconstância dos tempos e o capricho dos homens pretenderam denegrir na pátria o conceito que nunca fóra dela foi disputado a tão ilustre génio, e fizeram, com ingratidão incrível, desaparecer a sua imagem do centro daquela mesma cidade, que ele tinha feito renascer das cinzas, para ser uma das mais belas capitais do Mundo. Influenciado por esta convicção, quis o Duque de Bragança (D.Pedro IV) tributar a devida justiça ao grande homem, e apagar os vestígios de uma ingratidão, de que a presente geração rejeitava a responsabilidade e desaprovava o erro”.
O vereador da Câmara de Lisboa, Aires de Sá, em 1855, a pretexto do centenário da reedificação de Lisboa, em consequência do terramoto, sugeriu que se erguesse um monumento a Pombal. Um ano depois, os restos mortais de Pombal foram trasladados para Lisboa. Chegaram a 1 de Junho de 1856. Houve solenes exéquias. O cadáver ficou depositado na capela das Mercês, pertencentes aos marqueses de Pombal, num mausoléu de mármore figurando um modesto caixão sobre dois elefantes. Mais tarde, em 1923, efectuou-se nova trasladação para a igreja da memória, em Belém. Também a Universidade de Coimbra, em 1872, assinalou o centenário da sua reforma institucional, prestando todas as honras a Pombal que actualizou ali o sistema de ensino, no âmbito dos métodos preconizados no Iluminismo.
No arco da Rua Augusta, concluído só em 1873, existe um grupo escultórico « A glória coroando o génio». Ali se encontra Pombal ao lado de Vasco da Gama, Nuno Álvares e Viriato. Curiosamente a figura do Infante D. Henrique será mais tarde aproveitada.
A grande apoteose decorreu, contudo a 8 de Maio de 1882, centenário da morte de Pombal, com manifestações nacionais, em Lisboa, no Porto, em Coimbra, em muitos outros pontos do País, do Minho ao Algarve, de Trás os Montes ao Alentejo, nas diversas colónias de África e do Oriente, nas ilhas dos arquipélagos da Madeira e dos Açores. Revestiu-se da maior solenidade a comemoração em Lisboa. Depois do centenário de 1880, em louvor de Camões, foi o segundo acontecimento para reorganizar o Partido Republicano. Na praça que tem hoje o nome do Marquês de Pombal, realizou-se a cerimónia da primeira pedra do monumento ao ministro de D. José. Presentes o Rei D.Luís, a Rainha D. Maria Pia e toda a restante família real, ministros,deputados, vereadores, autoridades e muitas outras personalidades.
Os tempos, hoje, são outros, e o aproveitamento da obra e da figura de Pombal já não podem propiciar louvores incondicionais como os de Latino Coelho, Teófilo e Magalhães Lima nem as catilinárias sangrentas de Camilo e Sena Freitas. Terá de ser, contudo, enquadrado como uma alta figura que marcou uma época e projectou Portugal na Europa.
Memória Descritiva do Monumento
O que é o monumento ao Marquês de Pombal? Qual o sentido das peças escultóricas e da representação simbólica? O arquitecto Adães Bermudes faz um relato na memória descritiva que subscreveu e que tem os traços marcantes da retórica da época, aliás reconhecidos pelos seus contemporâneos.O documento é do seguinte teor, conforme extractamos das colunas do Diário de Notícias:
“Erecto no seu pedestal de glória que as águas triunfalmente elevam ao fastígio do monumento, o Marquês de Pombal procurando sacudir do vil letargo secular a alma generosa e forte da nação, simbolizada por um leão que se levanta rugindo, e esmaga reacção teocrática e a reacção feudal que a traziam subjugada.
Do seu alto posto, o genial reformador dirige e domina a grande obra de transformação mental, económica e social que se realizou sob o influxo da sua clarividência, do seu saber e da sua indómita energia.
Ele traça a dinâmica da nação decadente, desnorteada e exausta a nova rota da sua natural evolução histórica.: – “O Trabalho” que devia resgatar-nos da escravidão económica e valorizar o nosso vasto Império; e o “Estado” a que devia redimir a mentalidade da nação dos preconceitos, fanatismos e ignomíniosa ignorância que a sequestravam à civilização.
O nosso projecto de monumento visa a representar o Marquês de Pombal na sua complexa figura de genial estadista, de reformador audaciosíssimo, de emancipador da consciência e vontade nacionais, de assombroso percursor da moderna civilização.
Iniciamos a representação da obra colossal que é o seu verdadeiro monumento, evocando a reconstrução da cidade de Lisboa que ressurge bela e altiva das ruínas do pavoroso cataclismo do terramoto e da invasão do mar em 1 Novembro de 1755.
Rematamos a exibição dessa obra, pela representação da Universidade de Coimbra que o grande estadista transformou e modernizou inteiramente, arrancando-a à tenebrosa influência jesuítica e colocando-a sob os auspícios da verdadeira ciência.
Entre essas alegorias, numerosas figuras em pleno relevo, interpretam o mais belo ciclo da actividade nacional, o extraordinário desenvolvimento da agricultura, do comércio e da indústria, em plena glorificação do “Trabalho”: o ideal novo e fecundo que vem substituir entre nós o antigo ideal religioso e aventureiro. Assim, assistimos, de um lado às pacíficas cenas de doce faina agrícola, do outro, à tumultuosa actividade da indústria e do tráfego comercial.
À frente, a nave que sai do cais de Lisboa, levando na proa o escudo das quinas, simboliza a nacionalização do comércio marítimo e a reconstituição da nossa marinha de guerra e os troféus militares que encimam as bases do fuste simbolizam a reorganização do nosso exército. É sob protecção desses atributos da defesa nacional que se desenvolvem livres e seguras as forças vitais da nação.
Por fim o templo da ciência onde se preparam as futuras classes dirigentes que estudam as bases científicas e progressivas que valorizam o trabalho prodigiosamente.
Embora o vulto gigantesco do eminente político ofusque todo o passado histórico em que se desenvolveu a sua dominadora personalidade, pareceu-nos injusto esquecer os seus principais colaboradores. Assim, figuramos em honroso lugar os perfis de José de Seabra, que auxiliou o Marquês na expulsão dos jesuítas; D. Luis da Cunha, que o ajudou a levantar o prestígio do país no estrangeiro; Conde de Lippe que organizou a defesa nacional, contra a invasão espanhola; Luiz António Verney que muito contribuiu para o desenvolvimento da educação nacional;dr. Ribeiro Sanches ou D. Francisco de Lemos seus colaboradores na reforma da Universidade; Manuel da Maia, o ilustre engenheiro que lhe prestou o concurso da sua vasta experiência nas providências a adoptar por ocasião do terramoto; o arquitecto Eugénio dos Santos, que elaborou os planos da nossa cidade e dirigiu a sua execução;e finalmente, o insigne escultor Machado de Castro que cuja obra bastaria para honrar um país e glorificar uma época.
As vastas superfícies do fuste do monumento são destinadas às inscrições consignando os principais actos e providências do genial estadista e as suas mais importantes reformas políticas, sociais e educativas.
Embora procurassemos condensar e simplificar a ideia do monumento, é possível que ficasse complexa; mas a vida do protagonista é tão exuberante e a sua acção tão difusa que sintetizar mais seria, além de injusto, perder a ocasião de assinalar às gerações futuras a mais bela lição e o mais fecundo exemplo de civismo que possa estimular o brio nacional.
Para criarmos à figura principal um ambiente próprio adoptámos o estilo e os emblemas da época pombalina, vasando-os, porém, em moldes menos clássicos e mais naturalistas.E, não só para caracterizar a época usamos do símbolo e das alegorias, mas para representar as ideias que, sem elas, seriam plásticamente inexprimíveis.
A alma moderna exige na obra de arte o máximo de intensidade sugestiva e emotiva. Ora a figura do Marquês tal como nos é transmitida pelos retratos e descrições do tempo era duma serenidade cortez e impassível mesmo nos grandes lances. Isso basta para dar nota da sua força moral, mas tira-lhe toda a expressão comunicativa. Para reforçar essa expressão preferimos recorrer às imagens alegóricas, a representá-lo em atitudes dramáticas contra toda a verdade histórica.
Contudo, procuramos não abusar dos símbolos e deixamos predominar no monumento uma larga nota moderna de realismo e humanidade.
Tendo em conta que o monumento pode ser visto a grandes distâncias, demos-lhe uma forma compacta e possante que deve impôr-se pelo carácter e grandeza do conjunto e, atendendo a que fica precisamente no ponto de convergência dos eixos de cinco grandes avenidas e da entrada do futuro parque, procurámos por meio duma dissemetria, que não prejudicasse a euritmia, torná-lo interessante por todos os lados, de modo a que oferecesse perspectivas diferentes e efeitos de contrastes para cada um desses pontos de vista.
Posto isto, resta-nos indicar os materiais de construção que previmos para a execução do monumento.
Todo o pedestal, até à base do fuste, bem como os vastos sócos que o rodeiam serão de granito fino, variando de tons, segundo as partes em que fôr empregado.
As taças de água e as colunas de templo serão de mármore de côr, tendo estas últimas, as bases e os capiteis de bronze dourado.
As estátuas e baixo-relevos do envasamento e do pedestal serão em bronze fundido e patinado e a figura de Minerva, também de bronze, será dourada em parte.
A estátua de Lisboa será de mármore de Estremoz.
Em lioz serão o fuste do monumento, os troféus militares, as águias, toda a decoração do entablamento e a peanha do grupo terminal.
Os baixos-relevos do lado do envasamento posterior serão de mármore de côr, as inscrições do fuste serão em bronze dourado.
O grupo que remata o monumento será em bronze fundido e patinado. O núcleo do envasamento e do fuste serão em alvenaria hidráulica de calcáreo rijo.
Tal é o projecto do monumento que apresentamos, como simples ponto de partida para os subsequentes estudos e trabalhos a realizar; se tal honra e responsabilidade nos couber.
Bem sabemos que é sobre o valor intríseco e imediato das obras que lhe forem presentes que o júri terá de pronunciar o seu “veredictum”.
Cumpre-nos, porém, declarar que não consideramos o nosso trabalho como intangível e insusceptível de aperfeiçoamento; muito pelo contrário entendemos que com mais tempo e em maior escala cada figura e cada detalhe terão de ser objecto de um aturado estudo, tanto isoladamente como em função do conjunto, sob os pontos de vista da ideia, da expressão, da forma, das proporções e do estilo. Só depois disso teríamos conseguido realizar uma obra digna do ínclito cidadão que, tendo conquistado a justa consagração da Historia, espera da Arte, há mais de um século, a glória imortal e esplêndida da sua consagração monumental.
Lisboa, 9 de Abril de 1914.
Gloria progressus … delenda reactio“.
Obra da Maçonaria
Deve-se à Maçonaria portuguesa a iniciativa da construção do monumento em Lisboa ao Marquês de Pombal. Apesar disso, a representação simbólica, ao contrário do que muitos pensam, é muito escassa, quer na arquitectura, quer nas esculturas. Apenas um dos autores do projecto fazia parte da Maçonaria. Trata-se do arquitecto Adães Bermudes, iniciado em 1898, na loja “Fiat Lux”, do Porto, com o nome simbólico de “Afonso Domingues”. No domínio das artes plásticas naquela época, também pertenciam à Maçonaria, entre outras personalidades marcantes, o arquitecto Rosendo Carvalheira, os escultores Teixeira Lopes e João da Silva, os pintores Veloso Salgado e Luciano Freitas.
Nenhum dos colaboradores de Adães Bermudes no monumento a Pombal, o arquitecto António Couto e os escultores Francisco Santos, Simões de Ameida (sobrinho) e Leopoldo de Almeida, tinham qualquer ligação com a Maçonaria. No entanto à excepção do último (porque está no ínicio da carreira) eram artistas com inúmeros trabalhos relativos à obra política e cultural da I República.
Adães Bermudes, que nasceu no Porto, a 28 de Setembro de 1864, e faleceu em Rio de Mouro, a 18 de Novembro de 1947, cursou a Academia Portuense de Belas Artes e, depois, durante cinco anos, estudou em Paris, quer na Escola de Belas Artes, quer no atelier de Paul Blondel. Os seus trabalhos distinguidos no Salon em Paris, tiveram, naturalmente, consagração em Lisboa. O Grémio Artístico conferiu-lhe a sua segunda medalha. Poucos anos depois, teve Adães Bermudes outra distinção: abrindo-se concurso para a reconstrução dos Jerónimos e do anexo do mosteiro, obteve dois prémios. Este concurso inseria-se no programa da celebração do Centenário da Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia, acontecimento impulsionado pela Maçonaria Portuguesa. Tornou a alcançar o primeiro prémio noutro concurso par projectos de habitações económicas, nos grandes centros de Lisboa, Porto e Covilhã. Na exposição de 1900, em Paris, obteve a medalha de Ouro por trabalhos de arquitectura escolar. Foi director das construções escolares. No desempenho deste cargo realizou 300 edíficios em todo o País. Sob a sua direcção construíram-se os Paços do Concelho de Sintra, o Instituto Superior de Agronomia, na Tapada da Ajuda; o jazigo monumental dos benfeitores da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no cemitério do Alto de S. João. Foi várias vezes professor interino da Escola de Belas Artes, membro da comissão de Monumentos Nacionais, Conselho de Arte e Arqueologia. Desempenhou o cargo de vereador e presidente da Câmara Municipal de Lisboa e senador em 1918-19. Contudo, a sua obra mais representativa, ou a que lhe atribuiu maior renome, foi o monumento ao Marquês de Pombal. Deu, todavia, lugar a uma enorme controvérsia.
FRANCISCO SANTOS
A estatuária oficial de Lisboa no fim de século é confiada a Simões de Almeida, mestre da Escola de Belas Artes, Alberto Nunes, Moreira Rato, Costa Mota. Sucedem-lhes Simões de Ameida (sobrinho), Costa Mota (sobrinho), Francisco Santos, Anjos Teixeira, Júkio Vaz, Tomaz Costa, Maximiano Alves. Impõs-se, fundamentalmente, como medalhista, João da Silva.
Era Francisco Santos (1878-1930) um dos escultores de prestígio. Quando faleceu, o DN, na primeira página, classifica-o como «o maior dos vivos (sic) se tirarmos Teixeira Lopes». E acrescenta, «na história da nossa escultura ele fica como um dos grandes mestres, que nós não sabemos, nem podemos ainda apreciar pelo perto que dele ainda nos achamos. Mas a sua obra imortal fica a mostrar-nos como foi grande».
Discípulo de Simões de Almeida (tio) e de Charles Verlet, num concurso renhido para bolseiro do Estado no estrangeiro, venceu Simões de Almeida (sobrinho) e Costa Mota (sobrinho). Entre 1906 e 1909 permaneceu em Roma. De espírito pagão, de temperamento sensual, bastante influenciado por Rodin, prolongou a tradição neo-clássica. Daí ter sido escolhido por Adães Bermudes para executar a parte escultórica do monumento ao Marquês de Pombal. Para espaços públicos, Francisco Santos faz outros trabalhos que lhe consolidam a notoriedade: «Busto da República» ( Câmara Municipal de Lisboa ); estátua «A lei» ( Sala das Sessões da Assembleia da República, Palácio de S. Bento. Lisboa); »Marinheiro ao Leme» ( Cais do Sodré ); «Prometeu» (Jardim Constantino, Lisboa ), executado em 1920; «Fonte da Vida», que esteve no jardim da Estrela, em Lisboa; monumento a Sousa Viterbo (Cemitério dos Prazeres); monumento os mortos da Grande Guerra de 1914/18 (Montemor-o-Novo). Quando Alfredo Guisado, um dos poetas do movimento Orpheu, ao tempo vice-presidente da Câmara de Lisboa, encontrou na vala comum os ossos de Gomes Leal, decidiu homenagear a memória do genial poeta que falecera na fome e na desgraça e caíra no esquecimento. Incumbiu, então, Francisco Santos de realizar para a entrada do cemitério do Alto de São João um monumento evocativo. Concebeu a composição alegórica com a denominação genérica «o poeta».
Praticamente hoje um desconhecido, não obstante os rasgados elogios do DN, Francisco Santos foi, aliás, por aqueles e outros elogios semelhantes que ganhou o primeiro prémio no concurso para o monumento ao Marquês de Pombal, em Lisboa, com a estátua do célebre ministro de D. José I, tendo ao lado um gigantesco e imponente leão.
ANTÓNIO COUTO
Colaborou com Adães Bermudes o arquitecto António Couto ( Barcarena, 8-IV-1874, 3-VII-1946 ). Discípulo de José Luis Monteiro, na Escola de Belas-Artes de Lisboa, alcançou, no final do curso, em 1899, a mais alta distinção até então atribuída: 20 valores, a medalha de prata e o prémio pecuniário de 30$000. Em 1900 entrou, como arquitecto tirocinante, sob a direcção do arquitecto Ventura Terra, para as obras de reconstrução do edifício das Cortes, em São Bento, destruído por um incêndio, funcionando, entretanto, o Parlamento nas instalações da Academia das Ciências, no Convento de Jesus. Foi também director dos monumentos nacionais e fez parte, por diversas vezes, da direcção da Sociedade Nacional de Belas-Artes e dos seus Conselhos Superior e Técnico.
Era sócio honorário correspondente do Real Instituto dos Arquitectos Britânicos de Londres. Em Março de 1910 foi nomeado arquitecto para o quadro das Obras Públicas. No exercício destas funções, a partir de 1911, teria a seu cargo o restauro da Sé Patriarcal de Lisboa. Tem sido considerado o seu trabalho mais significativo.
A DERROCADA DA ESTÁTUA
Nada fazia prever a morte de Francisco Santos . Faleceu, inesperadamente, a 29 de Abril de 1930 – «às 4 da madrugada vitimado por uma congestão». Tinha 52 anos, na véspera trabalhara na estátua do Marquês, no seu atelier, na avenida 24 de Julho, nas oficinas Moreira Rato, Francisco Santos dera instruções ao seu ajudante para que, no dia seguinte, à tarde preparasse as formas para a fundição da cabeça do Marquês de Pombal. A operação era complexa: retirar o barro dentro do gesso. O escultor estaria presente. No entanto, Francisco Santos havia falecido, sem que o ajudante do atelier soubesse. Dada a urgência do trabalho decidiu fazer sozinho a tarefa. A cabeça era enorme, 1,80 de altura e um peso colossal. De súbito, registou-se a derrocada, a escultura desfeita e o homem bastante ferido. Todo o trabalho de muitos meses se perdeu por completo.
SIMÕES E LEOPOLDO
Simões de Almeida, sobrinho, (1880/1950), professor de escultura na Escola de Belas-Artes foi encarregado da nova moldagem.Um dos derrotados do concurso para o monumento acabou por concluí-lo. Tivera os mesmos mestres de Francisco Santos em Portugal e no estrangeiro. Partilhavam das mesmas concepções estéticas. Recorde-se, a propósito, que de colaboração com Francisco dos Santos executara o monumento a Gago Coutinho e Sacadura Cabral em Pernambuco.
Durante meio século, Simões de Almeida (sobrinho), com profissionalismo, mas sem rasgo, realizou, entre outros trabalhos; o frontão do Palácio de S. Bentoe, no interior, na sala das sessões da Assembleia Nacional, as estátuas «Constituição» e »Justiça», a estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque em Lourenço Marques. Em Cuba, no Alentejo, no fecho da capela funerária de Fialho de Almeida, esculpiu dois gatos adormecidos a relembrarem o terrível panfleto do escritor.
Colabora com Simões de Almeida (sobrinho) o então jovem escultor Leopoldo de Almeida. Fará pouco depois a estátua de António José de Almeida em Lisboa, o único vulto da I República de que o Salazarismo autorizou a consagração. Leopoldo tornar-se-á um dos principais escultores do Estado Novo, concebendo trabalhos alusivos aos fundamentos políticos, ideológicos e doutrinários do regime.
Texto de Autor Desconhecido