Porque eu estava nas trevas e desejava a LUZ

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Porque eu estava nas trevas e desejava a LUZ

Aquela segunda tarde de Outubro estava amena, no ar brilhavam já as cores do Outono e embora não sabendo por onde, tinha me proposto iniciar a minha prancha de aprendiz.

A minha mulher chegou a casa muito depois da hora de almoço, apresentava um ar cansado e triste. Perguntei pelo que tinha, respondeu que as noticias sobre um familiar não eram as melhores.

Depois de comer qualquer coisa, resolvemos dar um passeio à beira mar, o paredão que une a praia de S. João a Cascais é um velho amigo, muitas vezes ouviu as nossas histórias. Saímos de casa. Ao chegar à praia de S. João descemos até a areia, escolhemos um sítio seco, sentámo-nos. Aquela foi sempre a minha praia, ali dei os meus primeiros mergulhos, ali vivi dias de férias convivendo com amigos, ali estava com a Con:.. O areal estava praticamente deserto, um homem e uma mulher passeavam os seus cães, soprava uma ligeira brisa que nos trazia o aroma intenso de algas que a maré baixa esqueceu. Conversávamos sobre os acontecimentos desse dia, recordámos o passado, previamos o futuro. O mar, lugar de nascimentos, transformações e renascimentos também nos escutava, tocava o céu infinito nos limites do horizonte.

À direita o Sol ainda brilhava, conseguindo a custo que o seu esplendor atravessa se alguma nuvem mais atrevida. Pela esquerda, por detrás de uma falésia, surgia agora a Lua em quarto crescente, reflexo da irradiação solar e da sombra da terra.

Só falta a luz! exclamei, lembrando a abertura dos trabalhos em loja quando o V.M. após um golpe de malhete diz “Meus Irmãos, já não estamos no mundo profano, deixámos os nossos metais à porta do Templo! Cultivemos a Fraternidade nos nossos corações e que os nossos olhares se voltem para a Luz!“.

A voz da Con:. surpreendeu me “O que disseste?” perguntou. “Só falta a Luz!” – respondi. Percebi que não tinha ficado esclarecida, “Recordas-te da sessão de Grande Loja realizada no solstício de Junho para comemorar o 7.º aníversário da Grande Loja?” perguntei e esclareci “Quando entraste, na parede em frente, o Oriente, estavam três simbolos, o Sol, a Lua e o Delta luminoso. Também aqui estão presentes o Sol e a Lua, faltando o Delta luminoso a que chamei Luz e enfim, aqui não estamos virados para oriente“.

Sentia que estava a construir o meu Templo interior, lembrei a Câmara de Reflexão onde as palavras “Vigilância e Perseverança” e a fórmula hermética “V.I.T.R.I.O.L.” (desce ao interior da terra e, perseverando na rectidão, poderás encontrar a pedra oculta) seriam o princípio da resposta à pergunta presente no Catecismo do grau de aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceite “Porque procuraste tornar-te Maçon?” ao que é respondido “Porque eu estava nas trevas e desejava a LUZ.

Recordei a cerimónia de iniciação onde fiquei intrigado pelo facto de ver desenhado um rectângulo cuja largura e comprimento estão numa relacão de 1:1.618 (o n.º de ouro) e no entanto, haver apenas três colunetas em outros tantos vértices.

Sentado, olhava o horizonte mas naquela praia, não havia limites, nem céu, nem mar, nem areia, a minha loja ia do oriente ao ocidente, do sul ao norte, do zénite ao nadir, o meu templo era UNIVERSAL. Assim, me foi dado a conhecer a UNIDADE, simbolo do Deus único.

Entrara no espaço sagrado pelo Ocidente, entre duas colunas uma a sul a outra a norte, uma masculina a outra feminina, uma vermelha a outra preta, uma cria a outra sustenta, a coluna sul de João Evangelista, do fogo do apocalipse, do 2.º Vigilante, a coluna norte de João Baptista, do baptismo pela áqua, do 1.º Vigilante, os seus capitéis estavam adornados com romãs.

No oriente, frente a cada uma das colunas sul e norte, estava respectivamente o Sol, elemento masculino, activo, foco de onde emana o pensamento abstracto, fonte de verdades que o homem descobre quando se concentra sobre si mesmo e a Lua, elemento feminino, passivo, representando a intuição necessária para compreender o pensamento abstracto.

A loja assentava sobre um piso mosaico composto por lajes brancas e pretas revelando o dualismo Bem e Mal, Luz e Trevas, Espírito e Matéria, Dia e Noite. Assim, me foi dado a conhecer o BINÁRIO, resultado da divisão artifícial da unidade pela razão humana. Desta forma, a unidade é repartida entre dois extremos em oposição aos quais só as palavras prestam uma certa aparência de realidade. Um extremo existe apenas porque existe o outro. Pergunta o Catecismo de aprendiz “Que concluis dai?” ao que é respondido “Que o ser, a realidade e a verdade têm como simbolo o n.º três. É necessário devolver o binário à unidade por meio do n.º três.” Assim, me foi dado a conhecer o TERNÁRIO, onde se realiza a passagem da dualidade da oposição à uníversalidade. Três é um símbolo de clareza, de inteligência e de compreensão: é o número da LUZ. É por este motivo que tem uma importancia excepcional para os Maçons.

No catecismo o Venerável pergunta “Como foste introduzido na loja?” ao que se responde “Batendo fortemente 3 vezes.“, “Qual o significado disso?” pergunta de novo o Venerável “Três palavras das escrituras: Bate e ela se abrirá (a porta do templo). Procura e acharás (a verdade). Pede e receberás (a luz)“.

Na coluna Norte, a coluna dos aprendizes, escuto o anuncio do 2.º vigilante informando que o Venerável Mestre vai abrir os trabalhos no primeiro grau. Uma vez mais preparo-me para iniciar a viagem que desejo me conduza mais próximo da Luz. Coloco-me de pé e à ordem como aprendi a fazer quando fui iniciado “Antes ter a garganta cortada do que revelar os segredos que me foram confiados“.

A Luz da coluneta situada a sudeste é acesa. “Que a sabedoria presida à construção do nosso edificio“.

A Luz da coluneta situada a noroeste é acesa. “Que a força o complete“. A Luz da coluneta situada a sudoeste é acesa. “Que a beleza o decore“.

Os três grandes pilares que sustentam a loja, representados simbolicamente pelo Venerável Mestre e pelos dois Vigilantes, a sabedoria preside, a força completa e a beleza decora o trabalho construtivo de cada Maçon.

Depois de descoberto o quadro de Aprendiz, dispõem se sobre o altar dos juramentos as Três Grandes Luzes, o volume da lei sagrada aberto no evangelho de S. João, colocando por cima o compasso e depois o esquadro, de modo que este cubra as duas pontas do compasso.

Seguidamente ouvem se três baterias de três golpes de malhete dados respectivamente pelo Venerável Mestre, pelo 1.º Vigilante e pelo 2.º Vigilante.

O Venerável Mestre declara abertos os trabalhos da loja e executa se o sinal de saudação, triplo nas sessões solenes, uma bateria simples de três golpes, tripla nas sessões solenes e faz se uma aclamação tripla com a palavra “HUZZA!“.

Perto da quarta coluneta encontra-se a Pedra Bruta, simbolo das imperfeições do espírito e do coração que o Maçon deverá corrigir.

Para tal acção deverá socorrer-se de duas ferramentas o Malho e o Cinzel.

Este é o trabalho a executar em loja, transformar a pedra bruta em pedra cúbica.”A Pedra Cúbica é a obra que constitui o objectivo de cada Maçon: a sua própria perfeição moral e intelectual, e a sua contribuição ao aperfeiçoamento moral e intelectual do ser humano“.

A quarta coluneta situada no ângulo noroeste, representa o Maçon sob a forma de uma pedra bruta e a sua ausência lembra-lhe que este a deverá trabalhar para atingir o nível das outras três e deverá construí-la com a sabedoria, a força e a beleza.

Uma vez mais fico de pé e à ordem, o Venerável Mestre prepara-se para encerrar os trabalhos, “Que a Luz que alumiou os nossos trabalhos continue a brilhar em nós para que possamos concluir no exterior a obra iniciada neste Templo, mas que ela não fique exposta aos olhares dos profanos!

A chama da coluneta da sabedoria é apagada “Que a paz reine sobre a terra!“.

A chama da coluneta da força é apagada “Que o amor reine entre os homens!“. A chama da coluneta da beleza é apagada “Que a alegria permaneça nos corações“.

Cobre se o Quadro da Loja e ouvem-se três baterias de três golpes de malhete dados respectivamente pelo Venerável Mestre, pelo 1.º Vigilante e pelo 2.º Vigilante.

O Venerável Mestre declara encerrados os trabalhos e sobre o altar dos juramentos são retirados de cima do Livro da Lei Sagrada o esquadro e o compasso, que se colocam junto ao Livro que é fechado.

Executa-se o sinal de saudação, triplo nas sessões solenes, uma bateria simples de três golpes, tripla nas sessões solenes e faz-se uma aclamação tripla com a palavra “HUZZA!“.

A quarta coluneta representa cada Maçon que deverá continuar no exterior a obra iniciada no Templo e ser reflexo das outras três colunetas, a paz, o amor e a alegria.

Tal como o Sol e Lua representam princípios opostos, activo, passivo, homem, mulher que se complementam, também eu naquele momento me sentia uno com a minha mulher que nesse momento se deitava sobre a areia e reclinava a sua cabeça no meu colo. Senti que o simbolismo do ternário também se podia aplicar ao filho que ela gerava, e esse pensamento encheu-me de alegria.

O ternário observa se ainda nas insígnias dos três dignatários da loja. O esquadro que usa o mestre venerável compõem-se de uma linha horizontal e de uma linha vertical, ou seja o nível, insígnia do 1.º vigilante e a perpendicular, insígnia do 2.º vigilante. O esquadro concilia portanto o antagonismo do nível, que alude à igualdade, e a perpendicular que nos solicita a elevar-nos tão alto quanto possível, isto é, a aperfeiçoarmo-nos. O esquadro é portanto o emblema do Direito e da Justiça.

O ternário tem por emblema essencial o Delta luminoso, símbolo por si da Luz. O triângulo representa o ser abstracto, aquilo que existe necessariamente, que não pode deixar de existir. O Pai, o Filho e o Espírito Santo. A Sabedoria, a Força e a Beleza. A Paz, o Amor, e a Alegria. O Espirito, a Alma e o Corpo. O Venerável Mestre, o 1.º Vigilante e o 2.º Vigilante. O Mestre, o Companheiro e o Aprendiz.
No centro, o olho da inteligência ou do princípio consciente, diria da omnipresença, da omnisciência e da omnipotência.

O Venerável Mestre perqunta ao Aprendiz “Que idade tens?“, “Três Anos” responde, “Que significa essa resposta?” insiste o Venerável Mestre “Informar se da idade maçónica de um irmão equivale a perguntar qual é o seu grau. O aprendiz Maçon tem três anos porque deve ser iniciado nos mistérios dos três primeiros números“.

A que horas os Maçons abrem e encerram os seus trabalhos?” pergunta o Venerável Mestre ao Aprendiz “Alegoricamente os trabalhos abrem se ao meio dia e encerram à meia noite“, “Que significam essas horas convencionais” pergunta de novo o Venerável Mestre “Elas indicam que o homem atinge a metade da sua carreira, o meio dia da sua vida antes de se tornar útil aos semelhantes, mas que, a partir dali, até à sua derradeira hora, ele deverá trabalhar sem desfalecimento para o bem comum”.

Recordava a interpretação que dei as estas duas perquntas quando as percebi pela primeira vez. A hora de construção do Templo e o local onde se realiza são relativos, no momento em que me coloco à ordem, sacralizo o tempo e o espaço, o meu Templo é Universal, não tem princípio, nem fim, não tem hora, nem local definidos, por isso, abro e encerro os trabalhos sempre à mesma hora, no zénite e no nadir. Quantas vezes desde então me tinha colocado à ordem.

Recordava também uma prancha que nos foi oferecida pelo Irmão J:. C:. N:., onde em determinado instante referiu que o segredo maçónico era único, porque cada irmão tinha o seu, porque a Luz se revelava de formas diferentes e em diferentes momentos e por isso era um segredo e por isso era intransmissível e da necessidade da frequência aos trabalhos porque assim, através da repetição do rito, ficávamos mais perto da Luz e eventualmente mais facilmente a reconheceriamos. Como estas palavras me pareciam agora bonitas e carregadas de sabedoria.

Somos filhos da Luz, somos filhos das Estrelas, somos filhos de Deus, somos em Deus, Deus é em nós, Deus é espírito, somos de Deus.

Que significa essa Luz?” perguntou o Venerável Mestre “O conhecimento e a virtude que conduzem ao Grande Arquitecto do Universo” respondeu o Aprendiz.

Decididamente BATO, tenazmente PROCURO, humildemente PEÇO.

Miguel R:. – A:. M:. – R:.L:.M:.A:.D:.
28.10.1998

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