Pensamentos, Sensações e Emoções de um Aprendiz

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Passados mais de dois anos em que, regular e interessadamente fui participando nos nossos trabalhos, aprendendo escutando, interpretando, lendo nas linhas e nas entrelinhas e sentindo todo o espírito fraternal que nos une, após ter sido por Vós acolhido no seio desta nossa irmandade, reconhecido como um Homem livre e de bons costumes por quem me propôs, facto já certamente validado por todos vós ao longo deste tempo, eis que surge hoje a oportunidade para, de forma previamente organizada, partilhar com todos vós alguns dos pensamentos, sensações e emoções experienciadas enquanto profano aspirante à luz (1), neófito e aprendiz.

Efectivamente, desde os meus primeiros passos com 3 anos de idade, não sabendo ler nem escrever, apenas conseguindo soletrar, mas pensando e sentindo profundamente, que este foi o tema por mim idealizado para a minha primeira prancha.

E porquê, poderá perguntar-se.

A resposta é simples: mais do que a reprodução por palavras próprias de conceitos apreendidos, no decurso de um catecismo ou recolhidos em leitura efectuada, sempre acreditei que deveria, na primeira oportunidade que tivesse para “oficialmente” me expressar em loja, apresentar algo inegavelmente original, transmitir uma verdade inequívoca e uma interpretação pessoal.

Tal conseguirei, certamente, falando dos meus pensamentos, das minhas sensações e das minhas emoções: são próprios, verdadeiros e por mim já analizados. Complementarmente, não procurando abordar o conhecimento que possuo da simbologia própria do meu actual grau, mas continuando na senda do meu aperfeiçoamento como Homem, decidi fazer reflectir tal verdade numa tela por mim pintada, cujo resultado também convosco partilho.

Reportando-me há algum tempo atrás, aquando da minha permanência na Câmara de Reflexão no dia da minha Cerimónia de Iniciação, lembro-me de ter procurado na minha memória alguma informação sobre o processo de integração nesta ordem discreta iniciática, a qual eu tinha conscientemente decidido integrar. Recordava, então, o que havia aprendido cerca de 10 anos antes sobre a Iniciação Maçónica, num livro de Jorge Ramos (2), nomeadamente sobre a câmara escura que pretende simbolizar o estudo do aspirante ou candidato, que da sua vida passada até àquele momento na escuridão, transitará para um novo estadio – ingressará numa nova luz, na luz e na verdadeira vida da maçonaria.

Naquele momento, fechado num pequeno espaço todo pintado de preto e com apenas uma muito ténue luz, procurava decifrar o significado de alguns dos sinais deixados à minha criatividade: a imagem de um galo, as expressões “Vigilância” e “Perseverança”, uma caveira, um espelho, uma ampulheta, etc. E aquela sigla ou acrónimo que eu não conhecia? “V.I.T.R.I.O.L.”.?

Confesso que não me preocupei muito com grandes pensamentos sobre tais simbolos. O que vier virá, pensei. A minha decisão estava tomada e depois de mais de dez anos com uma enorme vontade de integrar esta discreta ordem, na perspectiva de vir a adquirir mais conhecimentos e de evoluir como ser humano, ai estava eu preparado para todas as provas que me seriam exigidas, fossem elas “duras” fisica, emocional ou intelectualmente.

Deixei o meu imaginário fluir, tentando advinhar o tipo de provas a que, outrora, poderiam ter sido submetidos todos quantos sentiram o mesmo “chamamento” que eu (se é que lhe poderemos chamar assim). Sem querer, muitas imagens e cenários me passaram pela mente, alguns dos quais encaixariam na perfeição num dos locais mais fantásticos que até hoje visitei e que, “pela mão” do nosso I:. José Manuel Anes, só mais tarde vim a descobrir: os Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira (3).

As minhas expectativas eram de tal forma elevadas que, confesso, naquele dia acabei por não me aperceber da importância que para mim teve verdadeiramente a Cerimónia de Iniciação. Só mais tarde, depois de ter lido todo o Ritual do 1º. Grau do Rito Escoçês Antigo e Aceite, de ter participado em várias sessões de L:. e de ter assistido a outras iniciações, tomei consciência de todo o significado da simbologia associada a este marco que, hoje, reconheço como fundamental na vida de qualquer Maçon.

Hoje, nesta minha partilha de sentimentos e emoções, gostaria de salientar três aspectos como positivamente marcantes na minha Cerimónia de Iniciação e que hoje os sinto como âncoras de estabilidade e vivência profícua e saudável.

Em primeiro lugar, a ajuda prestada por um I:. M:. aquando da minha saída das trevas, nas três viagens que simbolizam o caminho da morte para a grande luz, para a nova vida. Ultrapassando o simbologismo inerente à própria cerimónia, hoje sinto-me integrado numa ordem em que os valores da solidariedade, fraternidade e inter-ajuda, que desde sempre defendi, são uma realidade.

Seguidamente, a cadeia de união formada por todos os I:. M:., na qual cada I:., numa atitude introspectiva, procura elevar-se espiritualmente e potenciar, em mais do que simplesmente a soma das partes, a energia necessária à concretização de um objectivo comum. Um verdadeiro momento em que os nossos sentidos são secundarizados face às nossas emoções, uma vez mais numa atitude de união fraternal.

Por último, o ágape – a continuidade no mundo profano de todo o trabalho desenvolvido em L:. no sentido do aperfeiçoamento, da busca da luz.

Sem a veleidade de querer fazer uma obra de arte, procurei representar simbolicamente na tela que vos mostro estes três aspectos, tendo por base uma imagem da Quinta da Regaleira na qual imaginemos decorre uma Cerimónia de Iniciação.

O primeiro aspecto que referi poderá verificar-se no acompanhamento e ajuda prestada por um I:. M:. ao candidato, no sentido de que este possa encontrar a pedra oculta (simbolicamente o caminho das pedras quase submersas), no início da sua primeira viagem em busca da luz, após ter, simbolicamente, “descido ao interior da terra e, perseverado na rectidão…” (refiro-me, naturalmente, ao significado da forma hermética V.I.T.R.I.O.L.), à saída da gruta contígua ao poço iniciático.

Os segundo e terceiros aspectos, sem que temporalmente os pudesse representar neste quadro em simultâneo com a cena que decorre, represento-os na faixa inserida no canto inferior direito do quadro: a cadeia de união, pelo simbolo que identifica a nossa L:., e o ágape por um símbolo criado a partir de um Delta Radiante cujo vértice superior é substituido por duas mãos que brindam segurando dois copos com vinho.

Que me perdoem os verdadeiros pintores por esta ousadia!

Disse, Venerável Mestre e todos os meus Irmãos!

J:. L:. Figueiredo – A:. M:. – R:.L:.M:.A:.D:.
Janeiro de 6007

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  1. “.. o Aspirante tem de ser, na linguagem maçónica, um maçon sem avental, isto é, ser já maçon na sua maneira de pensar e agir antes de penetrar na Loja, a qual o investirá com o avental após concluida a admissão ritual” – Jorge Ramos, O que é a Maçonaria. 3ª ed., Editorial Minerva, Lisboa, 1992 (1ª ed., 1975), p. 125
  2. Id., ibid.
  3. Para uma melhor compreensão, sugiro em complemento a uma visita ao local, a leitura de duas obras do nosso I:. José Manuel Anes, O Esoterismo da Quinta da Regaleira. 4ª ed., Hugin Editores, Lisboa, 2003 (1ª ed., 1998) e Os Jardins Iniciáticos da Quinta da Regaleira. 1ª ed., Ésquilo , Lisboa, 2005
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