Mestre Affonso Domingues

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Alexandre Herculano em “A Abóbada” oferece-nos um Mestre Affonso Domingues – Português Honrado que fora Guerreiro e estava certo, contra um estrangeiro (bretão, ainda por cima) que fora Arrogante e estava errado.

A cegueira física que lhe adviera, fez com que um rei por quem havia lutado para o pôr em trono, cercado de incompetentes conselheiros, o julgasse incapaz de concluir a incrível abóbada de tamanho projecto. Ouguet, Irlandês, chamado para concluir tal projecto, por o julgar inexequível, apressou-se a alterá-lo, para garantia que, a agora reformulada abóbada não caísse … caiu! Desabou sobre ele atingindo-o, e não fisicamente.

El-rei convoca Affonso Domingues, reconstitui-lhe o emprego que este retoma e edifica a abóbada, passando então três dias de jejum sob a mesma.

Quando sem olhos físicos conclui e vê que a Abóbada, tal como a projectou não caiu nem cairá parte então rumo ao “Oriente Eterno”.

Ouguet, que rira do velho, que por não ver julgara cego, torna-se seu admirador, humildemente se arrepende e reconhece que “Cego é quem não quer Ver”.

Batalha, Mosteiro de Santa Maria da Vitória - Planta do complexo - Affonso Domingues

Quando em meditação fechamos os olhos e “chamamos” para dentro de nós o firmamento passamos a conviver com os astros, encontramos a razão de ser da nossa existência. É a Abóbada Celeste do nosso Universo Interior, tecto do nosso místico Templo Interno que nos permite sentir o poder do G:.A:.D:.U:. que nos projectou e construiu para não cair, e para sua própria Glória.

Cada um de nós tem a liberdade de visualizar a sua Abóbada Celeste Maçónica, mas se perscrutarmos através, e um pouco mais para além da mesma, todos veremos que nesse “mais além” está o Ser, a InteliGência, o G:.A:.D:.U:., que além estar em nós, está nesse “além” onde o homem deseja encontrá-lo, e lhe autoriza por vezes a Ver sendo fisicamente Cego; a Projectar e Construir sem risco de derrocada.

Aproxima-se o ano Maçónico de 6001 -6002; estamos em vésperas da Comemoração dos 600 anos da morte do I:. M:. M:. Affonso Domingues, que muito nos orgulhamos de ter como patrono e deu o nome à nossa Respeitável Loja.

Foi sem dúvida a autoria do Risco e a direcção da Edificação do Mosteiro de Santa Maria da Vitória, hoje mais conhecido por Mosteiro da Batalha, entre 5 388 e o ano da sua morte em 5 402, o facto que mais o notabilizou.

Chamei-lhe acima I:. M:. M:., e quem já visitou o Mosteiro da Batalha, como esta R:.L:. já o fez, quem parou um pouco para ver os números, a relação das distâncias, não terá pejo em atribuir-lhe tal qualificativo, pois quem riscou o templo do Mosteiro da Batalha, o claustro real e a casa do capítulo e se foi Edificando edificando-o, só pode ter sido um homem que recebera a transmissão do Saber “da boca ao ouvido”.

Saber esse, de que o ponto mais recuado de que temos registo é a Lenda Maçónica do Templo do Rei Salomão.

Há registos escritos, como o Manuscrito de Cooke, referentes ao Templo do Rei Salomão que remontam a 5410 (oito anos apenas após a morte de Mestre Affonso Domingues).

Por ilação, e por força da transmissão “da boca ao ouvido” provém concerteza de tempos bem mais recuados, pois além de ser possível, é mais que provável que estas tradições tenham estado nos lábios dos homens por apreciável espaço de tempo antes de serem registadas para conhecimento da posteridade.

Auxiliando-nos na defesa desta tese, no mesmo Manuscrito de Cooke, exibido em Grande Loja em 5721, lemos a determinado passo que : tudo isso se escorava na autoridade de “outras crónicas, e nos velhos livros de Maçonaria”, atestando assim, pelo menos, o predomínio, já nesse tempo de uma velha tradição.

Ainda anterior àquela data, encontra-se o termo “franc hons” na obra ‘Coutumes du Beauvoisis’ de Philippe de Bueamanoir.

Convém, neste ponto, dizer que Philippe de Bueamanoir viveu entre 5226 e 5295 da hera maçónica, e para que se possa avaliar da sua autoridade como analista rigoroso dos estratos da Sociedade Medieval, foi jurisconsulto notável; foi um dos mais puros representantes da escola de legistas, que através do estudo das instituições, abriu uma brecha no feudalismo medieval e preparou a sociedade moderna.

Na citada, obra Philippe de Bueamanoir, fala dos “franc hons” que não são “gentilz hons”, havendo desde essa época uma contraposição entre o homem livre (franc) e o servo, e até mesmo o vilão. Portanto o qualificativo “franc” além da ligação ao material usado, (franche – a pedra franca, que é uma bela pedra calcárea, de construção que se encontra nos arredores de Paris. Em Inglaterra, ou mais correcto relativamente à data, na Normandia a pedra equivalente era a “free stone”, a pedra que presta para ser esculpida, em contraste com a pedra rija a “roughstone”), como antes dizia o qualitativo “franc” em França, bem como o qualitativo “free” na Normandia, ambos com igual raiz no material usado, corresponderiam a livre, isento, designando o maçon como um emancipado da servidão feudal, emancipado moral e intelectualmente, por vezes até beneficiário de apreciáveis privilégios, nomeadamente nos ligados à profissão.

Segundo o “Livre des Métiers”, de Étienne Boileau, que viveu entre 5200 e 5269 da era maçónica, e foi presidente da Câmara de Paris, era “franc” quem exercesse um “franc métier”.

A “franchise” não sendo concedida automaticamente a pedreiros, carpinteiros e estucadores, porém dela já beneficiavam por inerência do “métier” os entalhadores de pedra; além disso também podia ser concedida por “ratione loci” (em razão do local), como foi então o caso da zona do “Temple” em Paris.

Um determinado tempo e lugar poderiam ser merecedores de um estatuto de distinção.

Não vejo razão nenhuma para que, quer pelo métier “entalhador de pedra”, quer em “ratione loci”, Mestre Affonso Domingues não fosse maçon.

Os Maçons práticos de então acreditavam firmemente na tradição de um corpo puramente operativo. Dessa tradição há registo escrito em “Ordens de Aprendiz”, (loja Swalwell – Sunderland em 5681) e de lá podemos retirar a seguinte citação: “O Rei David e seu filho, o Rei Salomão, na construção do Templo de Jerusalém … não somente promoveram a fama das 7 Ciências Liberais, mas também formaram Lojas … a fim de fazerem Maçons, dentro dos seus Domínios, quando e onde lhes aprouvesse”.

Do acima citado Manuscrito de Cooke retiramos a seguinte passagem: “Salomão tinha oitenta mil maçons, e o filho do Rei de Tiro era o seu Mestre Maçon”.

Num paralelismo livre, e relativamente á Edificação do templo do Mosteiro da Batalha, permito-me criar a passagem: “El-rei D. João I tinha doze mil maçons e Affonso Domingues era o seu Mestre Maçon”.

Também Mestre Affonso Domingues partiu para o Oriente Eterno antes que a Obra estivesse concluída, tal como o Mestre Maçon filho do Rei de Tiro.

A Edificação do Mosteiro da Batalha processou-se ao longo dos tempos, foram diversos os Mestres que Operaram nesta imponente Obra de Arte que percorreu duzentos anos à procura de um fim que não chegou ainda a conhecer; o Panteão de El-Rei D. Duarte, chamado de Capelas Imperfeitas assim o garante.

No conceito Universal, do Oriente ao Ocidente, do Sul ao Norte, do Zénite ao Nadir a construção, sempre em trabalho, nunca estará concluída.

Pretende apenas este trabalho ser uma humilde homenagem, ao M:.M:. Affonso Domingues em vésperas do sexto centenário da sua morte, dum Maçon orgulhoso de ser membro de uma R:.L:. que se atreve a usar o seu nome.

Não pedindo vénia para declinar a subida honra que me haveis concedido, por supor que poderia responder devidamente ao tema “Mestre Affonso Domingues”, mas consciente dos estreitos limites dos meus conhecimentos, apenas ousei escrever algumas palavras de explicação, e explanação, pedindo e esperando, da vossa benevolência e fraternal amizade, a indispensável desculpa para tal ousadia.

A. Ruela (M:. M:.)

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