Guerra em Tempos de Paz
A paz é dinâmica, portanto e por isso, é sempre imperfeita; ao mínimo percalço a guerra acontece, e quantas vezes já estamos nela sem saber.
Na opinião de alguns estamos já numa situação de guerra, de baixa intensidade sim, mas em guerra, e o passado é fértil em casos desses, nomeadamente em guerra biológica, e a guerra biológica, essa então pode ser muito, muitíssimo sub-reptícia.
Consta que o homem de Neanderthal teria colocado fezes de animais nas flechas para aumentar seu poder letal, e que legionários romanos contaminavam os poços de seus inimigos com carcaças de animais.
De acordo com os poemas de Homero durante a segunda Guerra Sagrada na Grécia houve contaminação do abastecimento de água e dos poços da cidade (590 a.C.).
Em 1346, os tártaros catapultaram cadáveres de pessoas mortas pela peste para o interior dos muros da cidade sitiada de Kaffa (hoje Teodósia na Ucrânia) (Mandell et al, 2003). Especula-se que esta operação pode ter sido a responsável pela Peste Negra que varreu a Europa, pois foi ali em Kaffa que a pandemia, então ainda epidemia, se declarou.
A conquista / ocupação das Américas terá inaugurado a guerra biológica de baixa intensidade em larga escala, pois os europeus levaram consigo doenças que dizimaram as populações nativas das Américas.
Chico Buarque d’Holanda no seu Fado Tropical canta-nos:
Sabes, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano
Uma boa dose de lirismo, além da sífilis, é claro.
Em 1763, o exército britânico na América, em guerra com os franceses, enviou cobertores e lençóis, previamente utilizados num hospital por pacientes com varíola, para os índios Delaware, aliados dos franceses (Christopher et al., 1997) e (Sanchez-Yañes e Mengivar – 2008).
No século XX armas biológicas foram utilizadas, e não as de baixa intensidade, já na 1.a Guerra Mundial, mas foram-no mais intensamente durante a Segunda, com especial relevo pelas forças japonesas que com elas atacaram a China; o Japão utilizou antraz, cólera e mesmo pulgas portadoras de peste, na Manchúria. O mesmo tipo de armas foi também utilizado durante a Guerra da Coreia.
O governo de Cuba sempre acusou os EUA de pulverizarem pragas sobre suas plantações.
Segundo diversas fontes hoje forças políticas beligerantes, incluindo terroristas, utilizam-se dessa modalidade de guerra, como o envio de cartas e objectos diversos pelo correio contaminados com agentes patogénicos, como nos episódios ocorridos nos EUA logo após o ataque às torres gémeas em 11 de Setembro de 2001 (antraz).
A descoberta das características patogénicas dos microrganismos, no século XIX, por Pasteur, Koch e outros, permitiu um grande avanço na compreensão da forma de transmissão das doenças infecciosas. Isso levou ao desenvolvimento da Microbiologia e a grandes avanços na prevenção e tratamento deste tipo de doenças, com enormes benefícios para a Humanidade. No entanto, esse conhecimento também permitiu a sua utilização para fins desviantes, como o desenvolvimento de armas microbiológicas [1].
Um ataque bio terrorista, ou até mesmo a hipótese de um ataque bio terrorista, para além de afectar a nível físico e psicológico o ser humano, pode afectar uma comunidade a nível social, a nível económico e a nível ambiental.
O pânico generalizado e a despesa precipitada em cuidados de saúde irão sempre marcar de forma evidente não só a microeconomia mas também terão os seus efeitos ao nível da macroeconomia.
É claro falta de confiança dos consumidores levará, como no passado levou, ao decréscimo do investimento com a consequente queda generalizada dos mercados, os financeiros incluídos, o que por arrasto provocará também uma diminuição do número das viagens.
Intencionalmente ou não, não se estará alguém a aproveitar da situação pandémica que atravessamos, para do facto tirar partido? E como antes se referiu isso já aconteceu no passado … e a história tende a repetir-se!
Há sempre alguém ou algo que, não digo beneficie, mas tenha algum acréscimo na sua produção, em situações como a que atravessamos, desde logo as empresas farmacêuticas claro, seja devido à procura tanto de vacinas como de antibióticos, e, também e não pouco, de antidepressivos.
Mas não são só as empresas farmacêuticas que progridem numa situação de guerra de baixa intensidade, sectores há, do mercado internacional, e até estados que podem disso tirar partido e tiram, e não vou a afirmar que seja o caso, mas ao longo das últimas décadas uma guerra sub-reptícia parece estar instalada, e, por exemplo, a ascensão chinesa foi e é notável.
O PIB da China era em 1 978 de US$ 156 “per capita’”; em 2 019 foi de US$ 9 164, ou seja mais que 58 vezes maior.
Esse crescimento teve, claro, como base a cópia do sistema praticado pelas economias desenvolvidas do Ocidente, e o inteligente aproveitamento do fim do domínio dos europeus sobre as colónias africanas com o consequente benefício obtido pela China no acesso às respectivas matérias-primas, de certo modo como “pagamento’ do auxílio e apoio prestados na “guerra de baixa intensidade’ esta não biológica, em que tinham estado envolvidas e ainda, e principalmente pela implementação de um modelo fundado em bases endógenas chinesas, as mesmas assentes num sistema de planeamento conhecido como “socialismo de mercado’, e isto está-lhe a permitir um extraordinário incremento nas dimensões do seu poder que a alcandorou à condição de uma das grandes potências económicas mundiais.
No estudo da história apercebemo-nos que a ascensão material/económica geralmente redunda em ascensão política, tecnológica e . militar! E isso pode resultar no que se conhece como a “Armadilha de Tucídides’, em alusão ao confronto entre Esparta e Atenas na guerra do Peloponeso que provocou a ascensão de uma nova potência em detrimento da outra provocando o desequilíbrio na balança do poder existente.
Esta “determinação’ histórica poderá ocorrer novamente no actual contexto, estaremos fadados a repetir o passado?
Não sei quem poderá responder, nem posso afirmar que já começou ou pode começar, mas sei que o conflito, pelo menos o conflito total pode ser evitado como o fizeram no século XV, os líderes das duas nações ibéricas quando o Império Espanhol crescia e aumentava o seu poder marítimo e influência nas rotas de comércio de todo o mundo, ameaçando a autonomia e liderança Portuguesa. Foi necessária a intervenção papal que os sentou frente a frente, e de certa forma os forçou a encontrar uma solução que não fosse o conflito armado.
Entenderam-se pois com tratados, a divisão das novas terras descobertas e de parcerias, como o foram primeiro a Bula “Inter Cutera” em 1493 e um ano mais tarde em 1494 o “Tratado de Tordesilhas”.
Mas a guerra, seja ela qual seja está sempre à espreita; já o Padre António Vieira no sermão histórico e panegírico no aniversário da Rainha D. Maria Francisca de Sabóia, em 1668 dizia: “É a guerra aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas e quanto mais come e consome, tanto menos se farta”.
Aproveitando o ensejo e com desejo de que tenham tido um feliz dia do maçon deixo aqui um apelo à Paz, ao Amor, à Alegria e à Amizade
A PAZ, O AMOR, A ALEGRIA E A AMIZADE
A paz cultiva-se ou não sobrevive;
O amor sobrevive quando se’encontra.
A’alegria encontra-se’enquanto vive;
A’amizade vive-se’e não se compra.
Não é possível ficar indiferente
Neste mundo cheio de ódio’e guerra;
É preciso, faz falta, é urgente
Que’a paz venha, e reine sobre a terra!
Este mundo’é um só, é indiviso;
Porquê tantos conflitos e desordens?
Faz falta, é urgente, é preciso
Que’o amor venha, e reine entre’os homens.
Doi-me’esta tristeza que me assalta
E me deixa cheio de inquietações;
É urgente, é preciso, faz falta
Que a alegria viva nos corações.
Somemos a paz, o amor e’a’alegria
Espalhemos o bem e a f’licidade;
Vamos edificar o novo dia,
Dar as mãos e viver em amizade.
A. Ruela Santos
Notas
[1] JANSEN, H. J. et al. – Biological warfare, bioterrorism, and biocrime. Clinical Microbiology and Infection. ISSN 1198-743X. 20:6 (2014) 488-496. doi: 10.1111/1469- 0691.12699.)