Dos Juramentos
Esta temática pareceu-me incontornável de ser abordada a um qualquer momento da nossa caminhada evolutiva enquanto MM∴ – se, nas fases iniciais do nosso percurso iniciático, enquanto AA∴ e CC∴, aprendemos o valor, a dimensão, a importância e o “peso” simbólicos do Silêncio, mais tarde, com a chegada da Mestria e a consequente maioridade maçónica, vem o tempo da assumpção de responsabilidades “maiores”, do pronunciamento em “Voz Alta”, em “Viva-Voz”, do que maturamos e “burilamos” interiormente enquanto Seres que reflectem, meditam, rezam e, forçosamente, agem, vendo essa acção reflectida em sociedade com impactos e resultados díspares. A palavra pronunciada, verbalizada oralmente, é, pois, um dos principais reflexos do trabalho maçónico, da lapidação da “pedra bruta” que nos habita desde sempre e que eternamente polimos e adornamos na construção do nosso “Templo interior”, da “Catedral Moral e Virtuosa” que habita em nós, saibamos nós chegar até ela com o Esquadro e o Compasso, o Malho e o Cinzel, o Nível e o Prumo que descobrimos e encontramos nesta Augusta Ordem Maçónica. Com ela, e inseridos nela, aprendemos a escavar até ao mais profundo de nós, rumo à telúrica essência – é o VITRIOL – Visita interiora terrae rectificando invenies occultum lapidem!
Foi-nos ensinado que tudo tem origem no Silêncio. O Silêncio é o “alfa” (α) da existência. É o silêncio que dá espessura, consistência, gravidade e “essência” àquilo que é dito “a posteriori” – ao “Verbo”. Do silêncio nasce o pensamento; o pensamento antecede o verbo e o gesto. E o gesto faz uma atitude, desta nasce um comportamento, que, por sua vez, gera um hábito; este antecede um carácter e um carácter traça um destino. Tudo começa no silêncio, campo infinito a desbravar; terreno a semear para, depois, colher. E que responsabilidade, a nossa! Finalmente falar, após uma “purga” de Silêncio!…
Eis-nos, pois, perante a responsabilidade acrescida relativamente aos nossos concidadãos Profanos que nos rodeiam, e que connosco partilham as suas vidas, de usarmos da palavra e de pronunciarmos juramentos.
Toda a nossa vida, no que tem de mais estruturante, é balizada pelos juramentos que fazemos. Por mim falo, pois cada um de nós só tem legitimidade para fazê-lo em relação a si próprio, em boa verdade. No meu percurso infanto-juvenil pela catequese da religião Católica Apostólica Romana, cumpri as tradicionais etapas evolutivas relativas ao “Baptismo”, “Primeira Comunhão”, “Profissão de Fé”, “Comunhão Solene” e “Crisma”, cada uma delas acompanhada do respectivo juramento de fidelidade aos princípios norteadores da fé católica, efectuados por mim, em todos eles, com excepção da primeira deles – o Baptismo – na qual os meus Padrinhos se encarregaram de tal compromisso.
Outros juramentos fiz na minha vida – como Médico que sou pronunciei, juntamente com os meus Colegas de Curso, na cerimónia em que me foi atribuída a minha Cédula Profissional, o meu “Juramento de Hipócrates”, em que selei o meu compromisso de exercer Medicina com rigor, a máxima competência de que sou capaz, consciência moral, dignidade, discrição e sempre em prol do Homem e da Humanidade.
Como Militar que fui, pronunciei, numa das mais belas e solenes cerimónias que já vivi, o meu “Juramento de Bandeira”, em que me comprometi, para toda a eternidade, com a minha Pátria e as suas Forças Armadas, a defendê-las incondicionalmente, com sacrifício da minha própria vida se necessário fosse.
Como Esposo que, um dia, contraiu matrimónio, selei essa união com um juramento de fidelidade àquela que escolhi como Companheira de vida, e à minha Família, entretanto constituída.
Como Maçom, aquando da minha Iniciação, e a cada novo Grau que atinjo no meu percurso espiritual, moral, intelectual e vivencial, sucede um renovado e respectivo compromisso de aperfeiçoamento humano de acordo com os cânones, ou “landmarks”, da Maçonaria Regular Universal.
Um Juramento poderá ser, pois, entendido como “uma promessa solene em que se invoca, por testemunho, coisa ou entidade tida como sagrada”. [1] Tem como sinónimos as palavras “jura”, “promessa” ou “voto” [1].
É algo fortemente galvanizador nas nossas vidas, tem uma dimensão “sagrada”, de vínculo com o Intangível, com a Transcendência. Sela um Destino e aponta um legado aos nossos Sucedâneos. Diviniza o Terreno, o Finito, e o Tangível, torna-os irredutíveis à morte e ao esquecimento a ela inerente. Parafraseando o nosso Grande “Bardo nacional”, Luís Vaz de Camões, “ … aqueles que por Obras valerosas, se vão da lei da morte libertando …” [2].
É Algo cuja força incomensurável reside no facto de ser levado a cabo, de modo absolutamente voluntário, em total e absoluta liberdade de consciência, derivando do nosso responsável, pessoal e intransmissível arbítrio. O seu carácter vinculativo assenta, pois, em todos estes pressupostos. E só com base neles, e de acordo com eles, se pode Jurar.
Como MM∴ que somos, por definição “Homens livres e de bons costumes”, particularmente esclarecidos numa Filosofia Moral de rectidão e temperança, a questão do Juramento, com toda a sua solenidade e seriedade inerentes e imanentes, não nos passa “ao lado”, nem nos é despicienda. Temos dela especial consciência.
Ao faltarmos a um juramento, estaremos a desvirtuar o nosso percurso de vida. A atraiçoar-nos a nós mesmos. A renegar a Ética. A manchar a nossa Essência e a desviarmo-nos dela. Quiçá, irremediavelmente …
Que nunca nos faltem a Temperança e a Rectidão supra-citadas, bem como a Força Moral necessária para nunca nos desviarmos do caminho da Virtude, para jamais faltarmos a um juramento, ou o negligenciarmos. Para que não nos tornemos Perjuros. E para que não façamos recair sobre nós a indignidade e o opróbrio.
ECE, M∴M∴ – R∴L∴ Mestre Affonso Domingues, nº 5 (GLLP/GLRP)
Notas
[1] Dicionário Online.
[2] Camões, Luís Vaz; “Os Lusíadas” – Canto I; Edições “Adamastor”, est. 1572