Diálogo de dois Aprendizes à porta do templo fechado durante a pandemia de covid-19 em Julho de 6020
(Rui / introdução) – O nosso Querido Venerável Mestre Jorge Campos, da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues (RLMAD), pediu-nos para apresentarmos uma Prancha. Pediu-nos a ambos, ao Querido Irmão João Martins e mim. Disse-nos que pelo menos um de nós teria de apresentar uma prancha na próxima sessão de Loja, realizada como sempre por estes dias, por meios telemáticos. Ou, com os devidos anglicismos, uma sessão virtual ou online da nossa Respeitável Loja, provavelmente a realizar por via da plataforma digital chinesa Zoom, forma de nos encontrarmos todos nestes tempos de Pandemia da COVID-19. Ou, melhor seria, acrescentou o nosso Querido Venerável Mestre Jorge Campos, que ambos os Aprendizes, o João e o Rui, apresentassem uma prancha. Que falássemos entre nós e decidíssemos quem apresentaria, ou se apresentaríamos os dois, e lhe comunicássemos.
Um pedido do Venerável Mestre da Loja é sempre uma ordem.
E os dois Aprendizes, o João e o Rui, falaram e acertaram que ambos apresentariam uma prancha na sessão de Loja do dia 22 de Julho de 6020. E mais combinaram que iriam abordar o tema geral da sua vivência de seis meses na Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues, da Grande Loja Legal de Portugal / Grande Loja Regular de Portugal, na dupla perspectiva da aprendizagem na nossa Augusta Ordem e na perspectiva do tempo de confinamento e retiro que estamos a viver com a Pandemia de COVID-19.
Assim decidido, concretizámos então, o João e eu próprio, que acataríamos a ordem do nosso Querido Venerável Mestre à letra, mas com a criatividade, o arrojo e a sintonia que estes novos tempos nos exigem: faríamos uma prancha a duas mãos sob o título DIÁLOGO DE DOIS APRENDIZES À PORTA DO TEMPLO FECHADO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 EM JULHO 6020. Tal prancha, correspondente a este Diálogo, seria apresentada a duas vozes – as próprias vozes de cada um dos Aprendizes -, porém com a ambição de, sendo apresentada como uma prancha a duas mãos ou duas vozes, poder manter a identidade própria de cada Aprendiz e de poder mesmo ser apresentada também como duas pranchas individuais, se necessário fosse. Assim,
(Rui) – Os dois Aprendizes, o João e eu próprio, encontraram-se à porta do Templo da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues, fechado pela Pandemia do COVID-19, para este DIÁLOGO DE DOIS APRENDIZES À PORTA DO TEMPLO FECHADO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 EM JULHO 6020.
(João) – Os dois Aprendizes, o Rui e eu próprio, encontraram-se à porta do Templo da Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues, fechado pela Pandemia do COVID-19, para este DIÁLOGO DE DOIS APRENDIZES À PORTA DO TEMPLO FECHADO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 EM JULHO 6020.
(Rui) – Que bom ver-te, MQI João! Como estás tu e a tua Família?
(João) – Muito bem, estamos todos bem e tu, como estás? Que bom ver-te também, MQI
(Rui) – Bem, agora tudo bem. Passou o mau bocado e o susto desta maldita doença COVID-19, felizmente! Já viste, o nosso Templo fechado? Entrámos no mesmo dia na nossa Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues, no dia 8 de Janeiro de 6020 e passaram 6 meses. 6 meses tão longos, tão diferentes do que esperávamos e sem podermos entrar no Templo, sem podermos abraçar os nossos Queridos Irmãos!!… MQI João, que me dizes destes nossos tão estranhos primeiros 6 meses?
(João) – MQI Rui, foi o início de uma viagem de aprendizagem!
Olhando para trás, até ao dia 8 de Janeiro de 6020, dia do ritual de iniciação, sinto-me uma pessoa diferente, mas ainda longe daquilo que pretendo atingir. Sei que o caminho de aprendizagem ainda está no início, mas com toda a humildade que tenho, irei percorrê-lo sem hesitações.
Muitas vezes penso neste caminho. Fazer parte desta ilustre Loja, era algo que não tinha pensado que pudesse acontecer, e a verdade é que agora faço parte dela, e isso deixa-me muito orgulhoso!
Orgulhoso, mas consciente da responsabilidade que transporto. Carregar e seguir os mandamentos Maçónicos pesam, e sei que terei de merecer esse desígnio. E principalmente, obter a confiança dos nossos Queridos Irmãos.
Mas sinto que essa confiança, mesmo nos seus passos iniciais, já existe! E aumentar é uma prova que terei de superar.
E tu, MQI, como avalias estes primeiros 6 meses?
(Rui) – MQI João, foram isso mesmo, estes nossos primeiros 6 meses: uma viagem!
Uma viagem de aprendizagem, como dizes. Uma viagem ritualística e de Conhecimento, em que partimos humildemente do mundo profano, tu directamente da «morte» simbólica, eu da minha regularização maçónica ainda como Aprendiz, e é-nos conferida a oportunidade para aprendermos a «partir pedra» e iniciamos a grande viagem de construção do nosso Templo interior. Sempre observando e absorvendo a experiência e o Conhecimento dos nossos Mestres e dos nossos Irmãos mais velhos em Loja.
Porém, ao todo, entrámos apenas 5 vezes no Templo da nossa Respeitável Loja Mestre Affonso Domingues. Logo em Março os trabalhos foram interrompidos e o Templo fechado. É certo que, quase de imediato, os trabalhos foram retomados com profundas adaptações, por via digital. Nunca participei em tantas reuniões e conferências online, MQI, profissionais, pessoais, de clubes e associações, e claro, da nossa Loja. Mas falta a observação directa, falta ver e sobretudo praticar o ritual – que estamos ainda a aprender! -, falta o próprio Templo! Os seus símbolos, a sua organização. Falta a Luz que vem do Oriente! E falta a Cadeia de União, MQI João!! Aquele momento em que sentes, no fundo de ti próprio, que fazes parte de algo enorme, de qualquer coisa de transcendente. Em que sentes que o GADU está ali connosco!! Depois faltam os Ágapes, MQI! Esse momento de igualdade e fraternidade entre todos os Irmãos, depois da sessão em Loja, em que ris e comes e bebes! E falas! Que alegria! FOGO!!!
(João) – MQI Rui, as nossas reuniões em Loja, considero de extrema importância a todos os níveis.
Todo o ritual é uma fonte de inspiração para mim, da qual sempre tentei obter o máximo de proveito possível.
Vestido a rigor, com o avental colocado e luvas calçadas, no início dos trabalhos, com a entoação do hino Nacional, sinto a solenidade da cerimónia. Sentar-me na Coluna do Norte, participando do ritual juntamente com os meus Irmãos Aprendizes, sem possibilidade de falar, faz-me ativar todos os outros sentidos.
Os vários golpes do Malhete mantêm a concentração alta em todos os momentos do rito, sendo que a cadeia de união, para mim, é o ponto em que sinto toda a energia positiva a passar por todos nós.
Observar cada movimento dos nossos Queridos Irmãos, a forma como o 1o e 2o Vigilantes coordenam as suas respectivas Colunas, a convicção na aclamação e escutar cada palavra do nosso Venerável Mestre, sentado a Oriente, serve de inspiração para mim.
Espero que rapidamente possamos reiniciar as nossas sessões rituais em loja, para que o caminho de aprendiz, seja feito sustentadamente e junto dos nossos Queridos Irmãos.
(Rui) – É verdade, MQI João! O Templo em sessão de Loja, enche-nos a alma. E é inspirador, como dizes. Concordo absolutamente.
Foi justamente essa alma, essa inspiração, essa proximidade que nos permite colocar as nossas mãos na «pedra bruta» para a trabalhar, que esta doença, esta Pandemia de COVID-19, nos veio tirar, remetendo-nos ao isolamento, físico e também psicológico. Foram e são tempos terríveis estes. Como sabes, fui directamente afectado: a minha mulher foi infectada por este Coronavírus no fim de Março, e imediatamente se transmitiu também a mim. Foi cerca dum mês e meio muito difícil. A minha mulher esteve 10 dias doente em casa e os 4 últimos dias foram já com a doença a agravar-se muito, e depois seguiram-se 12 dias de internamento no hospital e o seu tratamento, vindo depois para casa a meio de Abril, para acabar de curar-se e fazer a necessária quarentena. Eu próprio, que tive sintomas ligeiros, estive duplamente de quarentena: sozinho quando a minha mulher Fernanda estava no hospital fiz 14 dias e depois, quando ela regressou a casa, fizemos nova quarentena de 14 dias. Foi muito difícil! E confesso-te, MQI, que muitas vezes, nesse tempo tão duro e tão sozinho, com a minha mulher numa situação tão grave durante 3 semanas, muitas vezes fui buscar forças ao GADU. No silêncio solitário das noites mais duras, várias vezes senti que era o GADU a única fonte de Luz e de Força. E, que afinal, não estava só!
Sabendo embora que poderia certamente contar com os nossos Irmãos, a verdade é que evitei incomodar quem quer que fosse e, talvez injustamente, só mais tarde informei os nossos Irmãos da provação porque estava a passar.
(João) – MQI Rui, compreendo-te perfeitamente e passaste, tu e a tua mulher, por uma dura prova com a doença. Mas, voltando ao impacto da COVID-19 na nossa Augusta Ordem, claramente diminuiu a velocidade no caminho da integração e aprendizagem.
Sinto falta do contacto presencial com os nossos Queridos Irmãos.
A presença nos nossos rituais, é muito importante para a compreensão e interiorização do espírito Maçónico. É todo um processo de absorção de informação, conhecimentos e metodologia, que presenciando são muito importantes para a minha evolução e crescimento.
Por muito que haja um esforço para diminuir o afastamento, com as sessões virtuais, sinto que falta a proximidade física. As conversas presenciais são um instrumento de crescimento essencial nesta fase de Aprendiz.
Conhecer as histórias dos nossos Queridos Irmãos, ouvir as diversas opiniões ou o ato de correção em pormenores que ainda não domino, são fatores importantes que com este distanciamento, acredito que dificultam a minha evolução.
(Rui) – MQI João, sim, o impacto foi, e ainda é, muito negativo na nossa formação.
Mas sabes? Ao mesmo tempo que houve todo este impacto negativo, que nos atrasou a formação e que nos faz sentir saudades dos nossos Irmãos, a verdade é que se nos abriu um universo de oportunidades e de aprendizagens. De outro modo, é certo. Mas, este nosso percurso, esta nossa viagem, como dizias há pouco, MQI, de início da construção do nosso Templo interior, de abandono dos nossos vícios profanos e de pesquisa pela virtude e de, assim, conseguirmos trabalhar a «pedra bruta» para a ir transformando a pouco-e-pouco em “pedra cúbica”, almejando o Conhecimento, a Verdade e a Luz, conheceu também – paradoxalmente – uma aceleração inusitada por ter sido fechado o Templo.
Esse encerramento, e até uma certa suspensão de algumas normas da regularidade maçónica, ou de «tolerância» na sua aplicação, permitiu-nos mais tempo de reflexão e de leitura, mas sobretudo, conferiu-nos a extraordinária oportunidade de, humildes Aprendizes, frequentarmos algumas mais altas instâncias maçónicas. Vê bem, eu por exemplo, estive presente em várias Conferências maçónicas no âmbito da GLLP/GLRP, organizadas por Lojas e/ou Associações a elas ligadas, outras organizadas pela Academia Maçónica e participei até na Academia de Verão da Academia Maçónica há poucos dias. A maior parte delas, poderia participar com ou sem Pandemia. Porém, se fossem presenciais, a inércia, a deslocação, o tempo, tudo contribuía para que essa participação se concretizasse. Teria assistido a muito menos acções de formação maçónica. Nesta Academia de Verão, por exemplo, aconteceu-me mesmo um pequeno episódio caricato, que me apanhou de surpresa. Que agora te conto, com um misto de embaraço mas também de orgulho e de satisfação: então não é que, tendo eu acabado de entrar à hora na sessão online que viria a durar mais de 3 horas, como é de praxe comecei a escrever uma breve mensagem de texto de saudações ao MRGM Armindo Azevedo e a todos os nossos QQII já presentes e, logo ao começar a escrever essa breve mensagem, ouvi com uma paralisante surpresa o nosso MRGM Armindo Azevedo a dar-me personalizadamente as boas-vindas à reunião, alto e bom som?… Como, aliás, ia saudando outros Irmãos que iam «entrando». Eu, MQI, um simples Aprendiz que, em circunstâncias normais – sem Pandemia – certamente que nem teria sido admitido a esta Academia de Verão, cujo Programa extenso e detalhado, cobria todos os principais aspectos da boa administração duma Loja Maçónica, fui cumprimentado pelo nosso MRGM pelo meu nome! E, claro, atrapalhei-me e, surpreso e gaguejante, lá saudei o nosso MRGM da nossa Obediência como “VGM”, o que lhe provocou um sorriso benevolente e a mim um sorriso amarelo, um imediato pedido de desculpas e a correcção para o justo Grau e devido tratamento ao nosso MRGM Armindo Azevedo. Agora, repara: quais seriam as possibilidades dum Aprendiz “entrar” numa sessão de formação maçónica claramente orientada para Mestres, realizada fisicamente em qualquer lugar de Portugal e de “à porta” dessa sessão o nosso MRGM te cumprimentar pelo teu nome e te dar as boas-vindas?…
Portanto, MQI, sendo certo que a Pandemia de COVID-19 trouxe muitas coisas más, designadamente para a nossa Augusta Ordem em geral e para nós Aprendizes na RLMAD, também certo é que nos trouxe oportunidades únicas – a todos! – de nos adaptarmos, de nos reinventarmos, de acedermos onde antes era impossível ou improvável e de, afinal, de modo diferente, darmos outra profundidade ao nosso crescimento e conhecimento maçónicos.
Dou-te ainda outro exemplo, definitivo, disto mesmo que te afirmei: nós Aprendizes falamos nas nossas sessões online da Loja. Falamos, MQI!! Nós, que em Loja nos sentamos na fila de trás na Coluna do Norte, nesse local do Templo onde não existe qualquer Luz (como sabes, no Templo existem três Luzes, a do Oriente representada pelo VM, a do Ocidente representada pelo 1° Vigilante e a do Sul representada pelo 2° Vigilante) e precisamente aí nos quedamos silenciosos, justamente porque ainda estamos a começar o percurso para nos libertarmos do vício e do mundo profano, nas sessões online falamos. Nós agora falamos, falamos nestas novas sessões virtuais da nossa Respeitável Loja!
Podemos, pois, MQI, concluir sobre isto, dois factos:
- Que a COVID-19 e o encerramento do Templo nos trouxe simultaneamente consequências más que nos prejudicam, mas também extraordinárias oportunidades e também novas responsabilidades – afinal, sempre que falamos, somos responsáveis pelas nossas palavras; e
- Que a dualidade do mundo se cumpre de forma perene e permanente, das mais pequenas coisas às maiores tragédias, ou como neste caso, numa terrível Pandemia à escala do mundo – sempre o xadrez das lajes brancas e negras do nosso Templo está presente em todas as coisas e em tudo o que acontece. Tudo tem dois lados, duas perspectivas: uma branca e outra negra.
(João) – MQI Rui, tens razão e muitas vezes questiono-me por isso se estou à altura deste desafio que é a Maçonaria!
Estarei preparado para corresponder às expectativas, que foram depositadas em mim? Serei merecedor desta oportunidade, à qual nem todos os homens têm acesso. Essas dúvidas, percorrem a minha mente muitas vezes.
Entendo que sejam normais, mas sei que atingirei um nível de certeza, que não deixará espaço para estes pensamentos. Sei, também, que a ajuda dos nossos queridos irmãos, é fundamental em todo este processo. Com eles sinto-me preparado para o caminho, cheio de desafios, que irei enfrentar nesta jornada.
O futuro foi e sempre será uma incógnita, estes últimos acontecimentos comprovam isso mesmo. Mas o meu objetivo é muito claro e está traçado! Irei atingi-lo, sendo mais um obreiro na construção da nossa respeitável Loja, continuando o trabalho admirável, que todos os nossos Queridos Irmãos fizeram e continuam a fazer em prol dela.
(Rui) – Acredito que vais conseguir, MQI João. As dúvidas são normais e vais conseguir porque o GADU te vai dar sempre Força para continuares e porque todos os nossos Queridos Irmãos da nossa Augusta Ordem, e os nossos Irmãos da RLMAD em particular, não nos deixarão para trás. Nem a ti, nem a mim. E, tu e eu, assim espero, vamos conseguir. Um dia, seremos plenamente reconhecidos pelos nossos Irmãos como verdadeiros “homens livres e de bons costumes”.
(João) – Sim, MQI Rui, sei que sim. Sei que apesar das nossas dúvidas, desta ou daquela fraqueza, os nossos Queridos Irmãos irão estar sempre lá e que nenhum Obreiro da nossa Augusta Ordem, por mais humilde que seja, ficará para trás.
(Rui) – E assim será, MQI João!
Porque o nosso Templo nunca fecha.
non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo ad gloriam
À GLÓRIA DO GRANDE ARQUITECTO DO UNIVERSO
Disse, Venerável Mestre e todos os meus Irmãos!
Rui Horta Carneiro, A∴ M∴
(João) – E assim será, MQI Rui!
Venceremos todos juntos.
À GLÓRIA DO GRANDE ARQUITECTO DO UNIVERSO
Disse, Venerável Mestre e todos os meus Irmãos!
João Freitas Martins, A∴ M∴