A vida: que sentido tem ou que sentido lhe damos?
A questão de procurar um sentido para a vida é antiga, mas a sua formulação sistematizada data do Iluminismo e encontrou seculo e meio mais tarde a sua expressão mais sofisticada em Frederick Nietzsche (1844 a 1900). Ao longo de todo o século 20, esta temática manteve-se e de alguma forma derivou para uma outra aceção, a de dar um sentido à vida (para além de o procurar).
Esta inquietude maior da Humanidade exprime-se nos campos teológico (para onde vai a vida?), semiológico (que significa a vida?), axiológico (que vale a vida?) e ontológico (de onde provém a vida?).
A estas questões primordiais, tentam responder a ciência, as religiões, as correntes filosóficas e até mesmo a cultura popular de massas do audiovisual contemporâneo.
Nenhuma, porém, responde cabalmente, por enquanto, às questões fundamentais e mantém-se válido o propósito de Spinoza (1632 a 1677) de que o Homem continua a viver entre ‘a certeza do Nada” e a esperança do que chamou um “bem soberano”, desconhecido, cuja eventual descoberta e posse garantiria à Humanidade “Alegria Suprema, Permanente e Soberana”
MR VM e MQI,
Seria fútil e insensato pensar que numa simples prancha, com muito mais interrogações do que respostas, esgotar este assunto ou mesmo abordá-lo com a adequada abrangência científica que merece. Não obstante, ousaremos a traço largo contemplar algumas das posições e limitações de cada uma das abordagens:
A Ciência desde sempre abordou a questão da Vida como parte integrante se bem que tardia da origem e destino do Universo (particularmente a vida humana que se estima não ter mais que cerca de 310 mil anos, uma ínfima parte da existência estimada do Universo).
O século 20 trouxe avanços significativos à teoria pré-existente do Big Bang (origem da Terra), juntando-lhe todo o conhecimento sobre o ADN e o seu papel na programação genética.
Contributos importantes, mas por ora insuficientes para responder às grandes questões, por enquanto fora do domínio que a ciência pode pretender como seu, e desde logo a mais primordial de todas: que fazemos nós aqui, plantados num universo de milhares e milhares de galáxias, munidos de um cérebro equipado com milhares de milhões de neurónios? De onde viemos? O Universo terá algum sentido?
Outrossim, as religiões (a maioria pelo menos) partem de um axioma não demonstrável de que o corpo físico é o veículo de uma entidade imaterial a que chamam alma e com base neste axioma o sentido da vida assenta no valor dos atos praticados em vida em função de um julgamento divino, que fixará a qualidade da vida pós-morte, o eventual acesso à vida eterna ou ainda a natureza da próxima reincarnação.
Este é o corpus central da visão religiosa sobre o sentido da vida, com nuances e particularidades especificas a cada corrente, seja ela o catolicismo / protestantismo, o judaísmo, islamismo, budismos ou hinduísmo.
Referimos anteriormente que em sociedades de dominante pré-científica, o sentido da vida era dado pela conformidade a preceitos e ritos que asseguravam a transição da existência terrestre para o Além.
A fórmula deixou de funcionar quando a razão substituiu a Fé, e a ciência questionou o dogma.
Do “Magíster dixit” passou-se à dúvida sistemática.
Platão e Epicuro sintetizam duas visões antigas sobre o sentido da vida.
Para Platão a ideia de que o sentido da vida era o do acesso aos mais altos graus do conhecimento, o que chamou a Ideia do Bem, da qual derivaria tudo quando na vida era bom e útil.
Já Epicuro atribuía ao sentido da Vida uma função hedonista (combater a dor e estimular o prazer) que mais tarde Jeremy Bentham (Londres, 1748 a 1832) veio a recuperar, desenvolver e sistematizar no que é hoje conhecido como a Escola Utilitarista, em que basicamente o sentido da vida é o de promover o Bem, sendo que Bem é entendido como qualquer ação que traz mais felicidade a um maior número.
Com Kant e a chamada Moral Kantiana, o sentido da vida é associado à ideia de ética e dever (que chamou imperativo categórico).
O teste de algodão à bondade de uma ação (cuja promoção entraria no conceito de sentido da vida) era a sua hipotética universalização.
Todos nos recordamos dos célebres exemplos Kantianos de que se A propõe não pagar uma divida que contraiu junto de B, a universalização do conceito fá-lo-ia entrar em contradição na medida em que se ninguém pagasse, ninguém emprestaria;
igual relativamente à mentira, que ao ser submetida ao teste da universalização (ou seja, se todos fizessem o mesmo), faria entrar no absurdo o conceito de verdade, que deixaria de existir, e com ele um dos objetivos maiores do sentido da vida, a busca da verdade.
As correntes do Seculo 20 são mais complexas e extremas, designadamente o niilismo de Nietzsche, (1844 a 1900) que considerava que de um ponto de vista objetivo a vida não tem sentido (“o valor da vida não pode ser avaliado. por um vivo, desde logo, porque é Parte e mesmo objeto da questão (a que chama litígio); por um Morto, que também não pode, por outra categoria de razões…”.;
Já Camus (corrente conhecida como Existencialismo) defende que o sentido da vida é de primordial importância e que este poderia existir “fora da esperança “de qualquer religião, tal como existe geografia num deserto (cuja fruição, no entanto, segundo Camus, só seria acessível às “almas sensíveis e lúcidas”, que viverão em plenitude e para quem viver “é uma força”).
Na esfera mediática contemporânea, o tema tem sido abordado em series como o Monty Pithon (a existência humana comparada a um aquário em que a falta de perspetiva inibe os habitantes de destrinçar sequer onde estão).
Também o cineasta Bunuel, se interrogou na forma alegórica sobre o sentido da vida no filme “O Anjo Exterminador”;
Noutra ocasião o assunto foi sintetizado no célebre “desculpe, qual é concretamente a questão” de Douglas Adams (1952 a 2001) na entrevista em que a questão “qual é o sentido da vida “lhe foi colocada.
E para o Maçon, qual é o sentido da vida?
Há uma resposta curta para esta questão e ela é “praticar a virtude e combater o vicio”.
Mas não será esta a resposta a “como dar sentido à vida” mais do que “o que é o sentido da vida”?
Recuando um pouco, a ideia para esta prancha surgiu-me, após várias digressões por outros temas colaterais a este, aquando da releitura de um texto de 1947 do Irmão H L Haywood (1886 a 1956), que prefacia a edição da Bíblia Maçónica, King James, edição de 1947.
Trata-se de um texto notável, o que aliás não surpreende pela qualidade do autor e sua extensa obra.
Ao longo do texto é muito valorizada a ideia de “trabalho”, tanto a do trabalho manual na fase operativa como o “trabalho” enquanto conceito simbólico de aperfeiçoamento humano nas suas várias dimensões. É a partir dessa ideia de “trabalho” e da sua importância simbólica que a Maçonaria conclui da sua importância, não só o trabalho dos escultores da pedra, mas o de todas as profissões, e não só no Ocidente das Catedrais, mas em todos os lugares do Mundo.
Surpreendeu-me de alguma forma esta centralidade do trabalho no ideal maçónico (mesmo na sua aceção simbólica) que este autor decididamente valoriza, como inspiração da Maçonaria e como base do aperfeiçoamento espiritual que, para um Maçon. daria sentido à vida no plano individual, e razão de ser da Maçonaria quando colocado ao serviço do próximo e da Humanidade em geral.
Convém ter em atenção o contexto da época em que este texto foi escrito, logo após a Segunda Guerra Mundial e em plena luta hegemónica entre sistemas.
Tentador seria comparar esse conceito e centralidade do trabalho com a aceção que lhe é dada pelo Vaticano nas várias encíclicas sobre Doutrina Social (que se foca na dignidade de pessoa e na necessidade moral de um contexto de justiça social) e bem assim com o conceito marxista, que desenvolve toda a sua mística relativamente ao Trabalho / trabalhadores numa ótica materialista, enquanto fator de produção, muito embora especial, por ser o trabalho entre os vários fatores de produção o único com potencial para destruir a Ordem vigente e construir uma outra, da qual supostamente emergiria um Homem Novo.
Trabalho e Luta de Classes seriam nesta aceção a única esperança da Humanidade na sua própria redenção.
Na Maçonaria mais do que excluir, o método leva-nos a questionar e a incluir, e nessas sínteses reside a nossa Sabedoria, Força e Beleza.
Com esta asserção pretendo dizer que o angulo de abordagem do Maçon relativamente ao trabalho enquanto elemento central do aperfeiçoamento individual, pode ser completado por elementos das outras visões, que cada um de nós, no seu soberano livre arbítrio, considere válidas para o progresso da Humanidade, nossa causa comum.
Não deixa, contudo, de ser interessante que uma breve análise da composição das Lojas em finais do séc. 18 e todo o seculo 19, seja sobretudo dominada por elementos das classes não operativas.
O carácter iniciático da Maçonaria, por ser restrito e nalguns casos esotérico, estará na base desse apelo pela pertença à Ordem.
Por outro lado e em complemento, a abertura para a Transformação e o Progresso que os valores e método maçónico estimulam, pode igualmente ser sedutor para quem tem ou pretende vir a ter funções de liderança na transformação social.
Não deixa de ser interessante notar as varias correlações que existem entre um conjunto de factos socias e a projeção dos ideais maçónicos, favorecidos pelo laicismo /secularismo a partir das “luzes Europeias” e que viriam a influenciar de forma significativa as independências nacionais e respetivas Constituições, tanto no continente americano (a grande maioria das independências tanto dos EUA em 1776 como as que tiveram lugar no século 19) e bem assim na Europa, de que Itália ou Turquia são exemplos significativos.
Em sociedades em que o dogma e status político não liberais prevalecem, o método maçónico, principal inovação e fonte de vitalidade da nossa Ordem, tendem a ser preteridos por uma noção salvífica do sentido da Vida, de que a Maçonaria prescinde não sendo esse o seu propósito., muito embora o sentido da finitude/ ressurreição estar presente em várias fases iniciáticas da caminhada maçónica e alegoricamente personificar o homem renovado e menos imperfeito que todos nós, obreiros, almejamos ser.
Mas em estádio algum nos é proposta ou oferecida uma perspetiva salvífica que lide com o pós-morte, pedra angular das religiões, que a Maçonaria não é.
Porque urge concluir, retomaria algumas ideias chave desta caminhada pelo tema.
- O sentido da vida para um Maçon, não é existencial, mas transformador, a vida para os obreiros somos é o que com ela fazemos no sentido de nos tornarmos pessoas melhores e mais uteis à Humanidade.
- Assim, a vida para um Maçon é vista como uma caminhada, e o que logramos devir ao longo desse percurso, é o nosso propósito e a nossa meta.
- A projeção simbólica do sentido da vida para um Maçon, não é uma flecha com o seu alvo, mas antes um rio que vamos lavrando num barco a remos, tomando consciência de nós mesmos na quietude introspetiva do silencio, contemplando as margens e na sua beleza e força glorificando O GADU, enquanto vamos sempre que podemos aportando às margens para interagir com quem nelas vive, despertando-lhes pelo exemplos disponibilidade, interesse e desejo de integrar a jornada, participar no redesenhar da nova rota comum e ajudar no lançamento conjunto das redes….
- O sentido da vida para um Maçon é o homem que sabe disfrutar a jornada, a abre a outros e todos regressam a casa, transformados nem que seja um mínimo de cada vez, para preparar novas partidas, novas rotas, novas jornadas.
- A boa pescaria eventual é um prémio que coroa e traz alegria a esta empresa, mas não é o seu objetivo primordial, como uma magra pescaria é apenas um revés que não fere o essencial, o propósito ou o objetivo da jornada.
- A pescaria é importante, mas não é essencial. E a próxima, tudo faremos para que seja sempre melhor.
- Porque o Maçon acredita que a sua ação transformadora poderá melhorar a vida de todos, e propor à humanidade mais que ao individuo isolado uma oportunidade salvífica que dê sentido à vida, não só de da cada um, mas de todos, na perspetiva teísta e humanista que perfilhamos.
AIP – R∴ L∴ Mestre Affonso Domigues nº 5 (GLLP / GLRP)