A música e nós
Pouco ou nada percebo de música, pelo que esta prancha, totalmente fora da minha zona de conforto, representou um estimulante desafio. Também é verdade que tal foi retribuído numa generosa recompensa de aprendizagem e será com certeza isso mesmo o pretendido nesta nossa eterna tarefa de limar a Pedra Bruta.
Falta-me, ainda, bastante experiência para compreender a riqueza de todos os momentos de uma sessão de loja mas, desde a primeira sessão, em que fui surpreendido com o desempenho da Coluna da Harmonia, posso garantir-vos que fica por demais evidente o extraordinário contributo dos trechos musicais, não só para elevar o nosso espírito mas também para posicionar a nossa mente para receber e participar em cada solene momento.
Na verdade, a música sempre acompanhou a Humanidade e, com ela, soube evoluir muito à semelhança da evolução do próprio pensamento Humano. Desde os instrumentos musicais rudimentares de há mais de 30.000 anos até aos complexos instrumentos eletrónicos dos dias de hoje, tanto a solo, como em agrupamentos ou harmoniosas orquestras, o Homem sempre soube reconhecer a enorme importância da música e não admira, pois, que esta tenha também um papel fundamental nas nossas cerimónias.
Este trecho “Eine kleine Nachtmusik” de Mozart, um dos mais prolíferos compositores Maçónicos, parece neste andamento Allegro indicado para a entrada do Venerável em loja, espelhando a alegria que sentimos por estarmos reunidos com os nossos irmãos e o ritmo vivo que pretendemos para o evoluir dos nossos trabalhos. O termo “música” deriva do grego “musiké” (ou das musas) sendo pois aos gregos comumente atribuída a paternidade da mesma, talvez por na mitologia Grega serem as ditas Musas quem tinha por missão proteger as artes e as ciências. A divulgação do culto Cristão e as diversas formas musicais de carácter litúrgico – desde os salmos Hebreus do Antigo Testamento ao canto Gregoriano – foram muito importantes para o desenvolvimento da música no ocidente, onde até meados do segundo milénio imperava essencialmente a Voz, eventualmente acompanhada de percussão.
No decurso do ritual das nossas sessões e após a audição do Hino nacional temos a abertura dos trabalhos, com a verificação de que o templo se encontra a salvo da indiscrição dos profanos, a verificação de que todos os obreiros presentes são maçons e o acendimento das luzes.
Não sei se concordam comigo pois a música é sentida de maneira diferente por cada um de nós e, na verdade, pode ser escolhido um qualquer trecho – tanto para este momento do ritual como para qualquer outro – que o Ir. Responsável pela Coluna da Harmonia entenda adequado para elevar o nosso espirito e embelezar os trabalhos. Mas parece-me adequado que este adagio de clarinete em A maior de Mozart que temos estado a ouvir, possa acompanhar esta parte da sessão. Transmite-me uma sensação de calma que sinto importante para nos focarmos no começo formal da sessão, não perdendo ao mesmo tempo a necessária solenidade.
No que atrás referi quero destacar o Hino nacional por ser o elemento musical comum de todas as sessões rituais de todas as Lojas.
O Décimo Landmark (Regra fundamental da Maçonaria Regular) diz que “Os Maçons cultivam nas suas Lojas o amor à Pátria, a submissão às leis e o respeito pelas autoridades constituídas. Consideram o trabalho como o dever primordial do ser humano e honram-no sob todas as formas.”
É este respeito pela Legalidade Democrática, pelas leis em vigor e as autoridades que a exercem que leva todos os Maçons a prestar homenagem aos simbolos nacionais, desfraldando a Bandeira nacional e entoando o Hino no inicio de cada sessão.
Regresso à linha do tempo, onde por volta do século XVI, com a chegada do Renascimento, a música sofreu um progresso significativo. Com o desenvolvimento das partituras e a disseminação de livros a ensinar a explorar diferentes instrumentos, a sua divulgação e adoção cresceu exponencialmente.
Um século mais tarde, o Renascimento deu lugar ao período Barroco, que durou sensivelmente 150 anos e teve como interpretes mais relevantes Vivaldi e Bach.
A segunda metade do século XVIII que coincide com o período Clássico, cujos expoentes máximos terão sido muito provavelmente Mozart e Beethoven, foi um século especialmente relevante para nós Maçons.
É aqui que se dá a evolução da Maçonaria Operativa para a Maçonaria Especulativa, que são elaboradas as Constituições de 1723 e que, pela fusão de um conjunto de lojas, é criada a Grande Loja Legal de Inglaterra em 1755.
A música foi naturalmente integrada nas sessões de Loja, figurando nas Constituições iniciais quatro cantos – de Aprendiz, de Companheiro, o dos Vigilantes e o do Venerável Mestre – que eram executados sem acompanhamento instrumental, tendo os dois primeiros sido suprimidos na segunda edição das referidas Constituições em 1738.
A Coluna da Harmonia aparece no século XVIII designando o conjunto de instrumentos que tocavam durante as cerimónias. Hoje em dia, estes podem ser substituídos pelos meios tecnológicos que temos ao nosso dispor mas o seu contributo mantêm-se inalterado.
Também os trechos utilizados são mais variados, dependendo do ritual e incluindo autores dos períodos posteriores ao período Clássico já referido, se bem que este, em grande parte devido a Mozart, tenha sido um período fértil na composição de música maçónica.
A adesão de músicos à nossa ordem pode ser explicada pelo interesse que Irmãos, séculos atrás, terão tido em embelezar cada sessão de loja o mais possível, o que levou a que fossem, com toda a naturalidade, admitidos na ordem músicos virtuosos que tinham por obrigação contribuir com a sua arte.
Mozart é um desses exemplos. Terá sido iniciado na loja da beneficência em Viena em 1784, três anos antes da constituição da Grande Loja da Áustria. Para além de ser, muito provavelmente, o maior compositor de todos os tempos, foi significativamente importante para nós pelo elevado conjunto de obras que compôs de inspiração Maçónica. Conhecemos dez partituras destinadas especificamente a acompanhar os trabalhos em Loja ou outras cerimónias rituais.
Uma destas é a obra para Tenor e Piano “Gesellenreise” que escutamos e que representa a viagem do Companheiro.
Mozart compôs muitas outras obras de inspiração Maçónica de que “A flauta mágica” é talvez a mais representativa pela constante simbologia Maçónica que lhe está associada.
“A pequena cantata Maçónica” que escutamos agora foi a última obra deste conjunto que Mozart compôs pois morreu pouco tempo depois. Destinava-se à inauguração de um novo local para a sua loja. Esta obra inclui igualmente um trecho para coro a ser interpretado durante a cadeia de união.
Outro músico virtuoso foi Jean Sibelius, que viveu entre 1865 e 1957, e foi considerado como o maior compositor Maçónico depois de Mozart. Dedicou uma especial atenção ao Ritual Maçónico e compôs música especialmente adequada a diversas cerimónias, de que as obras “Masonic Ritual Music” compostas em 1927 são o mais destacado exemplo.
Muitos outros músicos, ditos clássicos, foram Maçons, como Mendelssonhn, Paganini ou Berlioz mas também outros de inspiração mais popular ou aparentemente menos erudita como Duke Ellington, Nat “King Cole”, Louis Armstrong, Count Basie ou George Gershwin o foram.
A ligação da música com a Maçonaria não se estabelece só pela presença de grandes compositores da nossa história, na nossa augusta ordem.
Ela faz-se sobretudo porque a música representa uma das sete artes liberais, simbolizando a Harmonia do mundo que muito apropriadamente reivindicamos para nós, Maçons.
Enquanto arte de produzir e combinar sons de uma forma agradável ao ouvido, que possam, em muitos casos, elevar-nos espiritualmente, estimular-nos e mexer com as nossas emoções, a música estabelece uma estreita ligação entre o material e o espiritual e por isso, também, tem um papel central nas nossas cerimónias rituais.
Pode, até, ser estabelecido um paralelismo entre os elementos próprios do trabalho Maçónico e da execução musical. Onde reside a Força temos na música a Densidade, onde impera a Sabedoria encontramos na música os “tempos” musicais ou longitude e no lugar da Beleza teremos na música a “Altura” ou frequência.
Também se pode encontrar outra analogia nas etapas de formação de um músico e de um Maçon.
A etapa de Aprendiz, mais não é que o jovem músico que aprende o solfejo (os símbolos) e toca o seu instrumento, em muito necessitando de um professor, Maestro ou instrutor. Por paradoxal que pareça, nesta fase onde impera a sabedoria do silêncio – típica desta fase de aprendizagem – sinto como muito relevante o contributo da Coluna da Harmonia, convidando-nos ao tom e intensidade próprias de cada momento.
Na etapa de Companheiro, que imerso num processo de autoformação já se sente, no entanto, capaz de uma performance mais autoconfiante, temos na colaboração com outros uma analogia forte com a participação do músico num grupo ou orquestra. Este despertar do Companheiro para uma maior autonomia corresponde como que à passagem de um estado de silêncio para execução de sons.
E, finalmente o Mestre, qual executante já capaz de uma interpretação pessoal, ou maestro capaz de conduzir os trabalhos dos outros e que vai sempre precisar de um Aprendiz para realizar plenamente a sua mestria. Aqui a organização dos sons já dá lugar à melodia.
Disse,
Luis B., C:. M:.