Um dia fui Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues (1)
Começo aqui a publicação das minhas memórias. O texto pelo seu tamanho vai ser dividido em 3 e diz respeito ao ano do meu Veneralato. Não entrarei em detalhes sobre o Golpe da casa do Sino, reservando-me o direito de mais tarde publicar sobre esse tema.
Um dia fui Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues. Nunca mais fui Venerável nem desta nem de outra Loja.
Não porque tenha ficado vacinado mas porque enquanto acreditar no projecto da minha Loja, não vou para outra ou não vou fundar outra, e consequentemente fico como estou.
Corria o mês de Julho do ano de 1996 quando em eleição por unanimidade passei à condição de Venerável Mestre eleito. Foi um sábado. Nessa noite em festa brilhantemente organizada pelo VM cessante o Vítor, no pátio do Clube dos Empresários em Lisboa, as sardinhas e o resto comida estavam óptimas, foi possível à Loja reunir um montante em dinheiro muito apreciável, bem como géneros alimentícios, roupas e brinquedos que foram entregues nessa noite às responsáveis pelo ATL do bairro da Galiza no Estoril.
O dia tinha começado com uma dação de sangue pela manhã. Foi um dia em cheio para a Mestre Affonso Domingues.
Tinha decidido entre a apresentação da candidatura e a eleição que iria ser diferente do que até então tinha sido a norma, só não sabia que o que eu planeara como diferente foi uma brincadeira de crianças comparado com o que aconteceu.
Essa diferença assentou no facto de anunciar logo após o resultado da votação quem iriam ser os oficiais principais da Loja. Lembro-me de convidar o 2ª Vigilante para ser primeiro e como me solicitou ficar mais um ano no posto convidei outro Irmão para o Cargo. Nessa altura não estava ainda enraizado o hábito da progressão dos Vigilantes e era normal durante o mês de Agosto o VM eleito receber “pressões” para escolher este ou aquele. Como não gosto de ser pressionado, e quando sou, tendo a mandar o “pressionador” às urtigas, decidi assim. Dessa forma passava o verão tranquilo.
O Vítor solicitou-me, no final da sessão, que representasse a Loja numa reunião da máxima importância que ocorria no dia seguinte – domingo – e que tinha sido convocada por Fernando Teixeira que era o Grão Mestre na altura. Esse ano de 1996 era o ano da realização da Conferencia Internacional de Grão Mestres e a GLRP tinha conseguido organizar esse evento. Em simultâneo ocorreria a tomada de posse de Luís Nandim de Carvalho enquanto 2º Grão Mestre da GLRP.
A dita reunião visava aspectos relacionados com a Conferencia, mais especificamente financiamento do evento. As Lojas tinham sido chamadas para patrocinarem a vinda de Grão Mestres de países com dificuldades. Se me recordo 350 contos (1750 Euros) trazia e aLojava um Grão Mestre de um país europeu.
A reunião correu muito bem, uma Loja pagava um GM, outras duas dividiam outro, e nós Affonso Domingues calados lá no canto. Corria bem a reunião até que fomos interrogados por F. Teixeira – “ E a Affonso Domingues? “.
Respondi que a Loja estava exangue, exangue porque tinha dado sangue na véspera e porque tinha também esgotado as suas reservas financeiras no apoio a uma instituição de solidariedade social que somado dava cerca de 700 contos (3500 euros), consequentemente não podíamos trazer nenhum GM porque não tínhamos dinheiro e juntei que mesmo que tivéssemos as nossas prioridades seriam para com quem precisa e não para festas.
Nessa altura a reunião começou a correr mal !
Na nossa perspectiva as prioridades eram umas, nas de Fernando Teixeira tínhamos prejudicado a vinda de 2 Grão Mestres.
Esta reunião deu origem, para além de dezenas de conversas e indignações dos que eram mais chegados ao Grão Mestre, a um decreto de Fernando Teixeira no qual dispensava a Loja Affonso Domingues de comparecer na festa e na Sessão de Grande Loja, etc. Eu pessoalmente já lhe tinha dito que não iria aquando de uma conversa privada posterior a esta reunião na qual lhe expliquei com mais detalhe a posição da Loja e a minha.
Este “castigo” de dispensa de presença, e não um decreto de abertura de inquérito com vista a sanção disciplinar minha, como era hábito nessa altura, demonstrou claramente que a Loja Affonso Domingues tinha razão e que as posições apresentadas o foram de forma inatacável.
Modéstia colectiva à parte mas sempre e ainda hoje as posições da Loja são fundamentadas, correctas e inatacáveis.
Nesse ano, e dado que no equinócio de Setembro tomou posse o novo Grão Mestre e que este tinha expressado o desejo de instalar o Máximo de Veneráveis Mestres possível, não decorreram as costumeiras Instalações.
Logo no inicio de Outubro e em cerimonia simplificada, presidida pelo próprio Grão Mestre foram empossados todos os Veneráveis que já fossem Mestres Instalados (o que era o meu caso por dispensa especial do Grão Mestre Anterior).
Também neste particular o meu Veneralato foi diferente.
Convoquei a primeira sessão e nela expliquei à Loja a razão pela qual já a dirigia.
Em meados de Outubro convidei o Grão Mestre para um almoço, fazendo-me acompanhar dos meus vigilantes. Reservamos uma sala num restaurante de Lisboa, e durante a refeição explicámos ao GM que entendíamos a situação difícil da Grande Loja, num momento de transição e que enquanto ele GM se mantivesse fiel aos princípios da Maçonaria Regular, aos regulamentos, etc . , então a Loja Mestre Affonso Domingues o suportaria e apoiaria.
Nenhum de nós tinha ideia do que iria suceder.
Foi por esta altura que foi alugada a Casa do Sino e se deu a mudança de instalações do Jardim dos Passarinhos no Estoril para lá.
Grandes alegrias por termos finalmente uma sala onde pudéssemos reunir com dimensão para se poder trabalhar com à vontade, e sobretudo o que era muito importante com a possibilidade de organizar os ágapes rituais logo após a sessão, uma vez que usando a cozinha local a mulher do ex Grão Mestre preparava (aquecia) a comida previamente encomendada.
Lembro-me que começamos a usar a sala imediatamente sem sequer se fazerem modificações como fossem os degraus do Oriente. Mas o entusiasmo era tal que essas coisas eram de menor importância.
Dirigi 2 sessões, as de Novembro, na casa do Sino.
Convém aqui explicar, e antes de continuar o relato, que a Loja Mestre Affonso Domingues era na altura uma das mais importantes da Grande Loja e que nas suas colunas se sentavam mais de 15 grandes oficiais, alguns Assistentes de Grão Mestre e mesmo Vice Grão Mestres. O número de presenças a uma sessão era de 30 obreiros como mínimo.
Dentro da Loja existiam muitos líderes de opinião que eram respeitados por membros de outras Lojas, e dado que a Loja tinha assistido na criação de Lojas de fora de Lisboa tinha também algum peso na decisão das mesmas.
O Ambiente estava frenético.
Pelo fim de Novembro, não posso precisar a data específica, recebo uma chamada na qual me é solicitado que me desloque à Universidade Moderna para assinar uma carta para destituir o Grão Mestre. Esta solicitação foi-me feita em dupla qualidade de Venerável Mestre da Mestre Affonso Domingues e Grande Oficial. Pedi que me mandassem por fax cópia do documento para poder analisar e decidir se o assinava ou não, mas não consegui pois do outro lado argumentavam que era ultra confidencial e que se eu quisesse conhecer o documento que me deslocasse. Fiz finca pé e a chamada foi transferida para alguém com mais autoridade no golpe (e na Moderna) que perante a minha recusa me ameaçou – “ ou assinas ou …” e eu respondi “ ou … “ – tendo a conversa ficado por ai. Hoje tenho pena de não ter ido lá ler a carta.
Nunca a assinaria, mas como a dita nunca foi divulgada ficaram sempre dúvidas sobre a sua existência. Disse-me quem viu a carta que esta nunca foi divulgada porque o número de assinaturas no fim da mesma não era representativo.
Na altura tudo me pareceu estranho, pelo que fui mantendo o Grão Mestre informado do que se passava.
As informações e contra informações eram muitas e começaram a aparecer noticias nos jornais.
No entanto e se me recordo os dias que antecederam o “ assalto” foram mais ou menos calmos.
José Ruah
Publicado no Blog “A partir pedra” em 21 de Julho de 2007