Luís Miguel Nogueira Rosa Dias (1/1/1931 – 30/8/2019), admirável maçom

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Luís Miguel Rosa Dias (1/1/1931 – 30/8/2019)

O Dr. Luís Rosa Dias foi um muito competente médico cirurgião vascular. O Luís Miguel Nogueira Rosa Dias era sobrinho de Fernando Pessoa e deu inúmeras conferências sobre o seu tio. O Miguel Roza, pseudónimo que utilizou para as suas lides literárias, foi autor de livros como Encontro Magick: Fernando Pessoa e Aleister Crowley, Salpicando Poesia, De Médico e Louco de Tudo um Pouco, Fiz das Tripas Coração, os mais recentes O Templário com Duas Vidas e O Espião do Extremo Ocidente, duas novelas que são os dois primeiros tomos de uma trilogia cujo último volume felizmente deixou já escrito e em fase de edição, que será publicado postumamente, sob a direção de uma das suas filhas, e foi ainda o prefaciador e organizador do Trolhamento dos 33 Graus do Rito Escocês Antigo e Aceite. O Companheiro Luís Rosa Dias foi um insigne rotário, designadamente fundador e primeiro presidente do primeiro Rotary Clube misto em Portugal

Porém, para nós, na Loja Mestre Affonso Domingues, foi simplesmente o Luís Miguel, um Irmão unanimemente apreciado e objeto de grande consideração e amizade por parte de todos nós. Juntou-se a nós em 1995, dez anos depois foi Venerável Mestre da Loja (O décimo sexto Venerável Mestre). Em Loja, exerceu todos os ofícios, creio que apenas com exceção do de Mestre da Harmonia. Foi um elemento ativo, acolhedor dos mais novos (O Irmão Rosa Dias e a sua influência sobre os Aprendizes), mas sobretudo dotado de uma notável boa disposição e alegria de viver.

Já octogenário, naturalmente que o Luís Miguel tinha períodos bons e ocasiões em que a sua saúde fraquejava. Aqueles, vivia-os com um sorriso. Estas também! Como todos nós, tinha preocupações, que elegantemente geria com um sorriso nos lábios – o mesmo que os enfeitava quando vivia momentos de descontração, alegria e companheirismo. Era o mais idoso da Loja – mas isso não impedia que alardeasse – com justiça! – ter o espírito mais jovem de entre todos os jovens.

Era assíduo à Loja. Só não comparecia quando a sua saúde lhe pregava partidas e, logo que recuperado (às vezes ainda mal recuperado…), logo regressava. O que fazia que, quando se estava para iniciar qualquer reunião da Loja e o Luís Miguel não estava, logo um, dois, uns quantos inquirissem, preocupados, o que se passava com o Luís Miguel, se estava tudo bem com ele. Quando, de vez em quando, se ausentava, fosse à África do Sul da sua infância ou ao Brasil ou qualquer outro destino, para uma das suas conferências sobre o seu tio Fernando Pessoa, a pergunta vinha logo: e quando é que o Luís Miguel volta? Mas por regra estava presente, gostava de estar presente e nós gostávamos muito que ele estivesse connosco.

Quando falava em sessão da Loja era atentamente ouvido por todos, porque só falava a propósito e judiciosamente. Quando falava nos ágapes era atentamente ouvido por todos, porque aí, felizmente, falava muitas vezes e sempre com piada e boa disposição.

Alegre, bem disposto, mas também calmo, paciente, ponderado, tudo foram adjetivos que inúmeras vezes, com toda a justiça, foram associados à pessoa do Luís Miguel..

Toda a Loja apreciava e admirava sobremaneira o Luís Miguel. Foi, durante mais de duas décadas, o nosso pêndulo, o nosso ponto de equilíbrio, a nossa natural referência. Se havia algum desacordo, de uma coisa estávamos certos: o Luís Miguel não era um dos intérpretes do desacordo, era um dos construtores da sua ultrapassagem.

Quando o Luís Miguel entrou na oitava década de vida e começou, com alguma regularidade, a ter pontuais problemas de saúde, nós, na Loja, começámos, cada vez com mais insistência, a recordar-nos que a sua vida, como a de todos nós, era finita, e que devíamos mostrar-lhe o nosso apreço e consideração enquanto ele estava connosco e podia apreciar a expressão da nossa amizade e consideração. Mais vale uma homenagem singela perante o homenageado vivo do que tonitruantes loas e hiperbólicos encómios depois de morto. Começámos assim, em segredo, a interrogarmo-nos sobre a melhor forma de homenagear o Luís Miguel. Não foi fácil: ele estava quase sempre connosco e não queríamos que ele se apercebesse antes de tempo… Mas, conversa daqui, sugestão dacolá, decidimos criar um Galardão da Loja, que designámos de Galardão Mestre Affonso Domingues, com que só muito excecionalmente seria agraciado um obreiro da Loja, sempre por consenso dos demais. Claro que o primeiro agraciado – e, até agora, único, pois a ideia é ser mesmo excecionalmente atribuído – foi o Luís Miguel. A Loja elaborou um diploma e mandou fazer um complemento, uma espécie de coroa de louros ajustável à volta da medalha da Loja, para lhe entregar. Depois de o ter recebido, usou-o sempre na sua medalha de Loja, contente – e nós ainda mais por verificarmos que ele apreciara a homenagem… Mas adianto-me: o Luís Miguel é que foi novelista, mas a novela da homenagem ao Luís Miguel merece ser aqui mencionada.

Já referi que a escolha, planificação e organização da homenagem da Loja ao Luís Miguel decorreu de forma a que ele de nada soubesse, até ao momento, de ela acontecer – e que tal não foi fácil. Mas, aproveitando, se bem me recordo, um dos períodos de ausência por viagem do Luís Miguel, lá conseguimos combinar, encomendar, preparar e organizar a sessão de homenagem e entrega do Galardão Mestre Affonso Domingues. No dia aprazado, a Loja estava, naturalmente, em peso. Os visitantes, incluindo vários Grandes Oficiais, eram também mais que muitos. Sala cheia. Na véspera, como quem não quer a coisa, eu certificara-me que o Luís Miguel iria à reunião, que de nada desconfiava (o que só comprova que os maçons são afinal mesmo bons a guardar segredos…) e a que horas apareceria. Tudo preparado. O único ponto da Ordem de Trabalhos desse dia era a homenagem ao Luís Miguel. Um Mestre, em nome dos Mestres da Loja, tinha uma intervenção de homenagem ao Luísa Miguel preparada. Tinham sido preparados textos manifestando o apreço ao Luís Miguel, elaborados pelos Companheiros e pelos Aprendizes. Tudo pronto. Todos, excecionalmente à hora (ocasião excecional é ocasião excecional, mesmo para português que se preze da sua proverbial má relação com a pontualidade…) presentes à hora marcada. Pois só faltou… o Luís Miguel! A pontualidade mandada às urtigas, contacto in extremis com o Luís Miguel (Então? Quando é que chegas? ) e… o balde de água bem geladinha a entornar-se sobre todos: Olha, afinal hoje não posso ir. A minha irmã não está bem e eu tive que vir a casa dela dar-lhe assistência.

Nada a dizer, a família está primeiro… Olha, improvisou-se uma apresentação de um trabalho, para justificar a deslocação de toda aquela gente e… marcou-se encontro para daí a quinze dias. Mas então a marcação ao Luís Miguel foi cerrada: dois ou três dias antes, o Luís Miguel ficou ciente da preocupação que toda a Loja tinha em relação à saúde da sua irmã, tal foi o número de telefonemas que lhe foram feitos sobre o assunto. Arranjou-se um artifício qualquer para um de nós se encontrar com ele durante a tarde e com ele vir ao local da reunião, à hora aprazada, não fosse o diabo tecê-las. E lá se fez finalmente a homenagem…

Mas o Luís Miguel, espírito arguto, mais tarde lá confessou que, não sabendo de nada, desconfiou que alguma coisa se preparava, com tanto telefonema e solicitude na sua presença… E que viu aumentadas as suas suspeitas, quando viu a sala cheia e com tantos visitantes… Mas, bom camarada, conseguiu disfarçar e mostrar-se devidamente surpreendido quando a sessão de homenagem começou (sobre a abertura da mesma, leia-se Introdução a uma merecida exceção).

Tivemos assim a felicidade de, em devido e oportuno tempo, ter tido a possibilidade de homenagear o Luís Miguel e de vermos como isso o comoveu e lhe agradou.

Tempos mais tarde, já recentemente, também o clube rotário em que se integrava o Luís Miguel decidiu fazer-lhe uma merecida homenagem. E teve a ideia de diligenciar pela comparência, além dos elementos rotários, da família e de colegas médicos, de Irmãos maçons do homenageado. Foi uma boa ideia, a que nós nos associámos de imediato. Mal sabia eu a carga de trabalhos que ia ter com aquilo… O organizador da homenagem rotária contactou-me e combinou comigo a presença de elementos da nossa Loja, informando que, por (compreensíveis) razões de espaço, poderíamos ir até cerca de 15 ou 16, inquirindo se iriam tantos. Garanti-lhe que sim. O que não sabia era o que ia acontecer: anunciada na Loja a homenagem… em menos de 24 horas o número máximo reservado a nós estava preenchido! Lá passei as duas semanas seguintes com o ingrato papel de ter de recusar a várias dezenas de interessados a presença naquela homenagem! Foi também uma oportuna homenagem, a que nos associámos com todo o gosto.

Reparo agora que o texto já vai longo e que será porventura desajustada a evocação de mais episódios dos muitos que nos ligam ao Luís Miguel. Só mais uma referência e (juro!) muito breve: um dos mais apreciados passeios que fizemos na Loja, foi organizado pelo Venerável Mestre Luís Rosa Dias (ver Por terras de Castelo Rodrigo e Por terras de Castelo Rodrigo – 2).

Termino então. Mas termino frisando que este texto in memoriam do Luís Miguel não tem um pingo de luto, uma ponta de saudade, um resquício de desgosto. O Luís Miguel, o nosso Luís Miguel, não o quereria. Sabia bem que, quase nonagerário, não lhe restavam muitos mais dias entre nós. Encarava esse inevitabilidade com naturalidade. Com o seu sorriso nos lábios… Um texto in memoriam do Luís Miguel não pode, não deve ter, e não tem, sombra de sentimentos negativos. Porque o Luís Miguel, o nosso Luís Miguel, foi precisamente o oposto disso – e a sua boa disposição, a sua bonomia, o seu ar prazenteiro não mereceriam isso. Um texto in memoriam do Luís Miguel é e só deve, só pode ser um texto de boas, de excelentes recordações, de respeitosa ternura pelo que o Luís Miguel sempre nos deu. Neste texto, portanto, não cabe desgosto, não entram lutos. É um texto de alegria por termos tido o privilégio de sermos amigos e Irmãos do Luís Miguel, de celebração por tudo o que com ele aprendemos, com ele vivemos, com ele rimos, com ele brincámos, mas também com ele trabalhámos.

Evocar o Luís Miguel, só pode ser isto, uma serena e plena manifestação de regozijo pela sua vida e pela nossa participação nela. Muito obrigado por teres sido, por seres, nosso amigo, Luís Miguel! Vamos recordar-te com ternura e apreço até chegar, a cada um de nós, a hora de te reencontrar e de te entregar, em nome de todos e de cada um dos que por cá continuarem a permanecer, o nosso Triplo e Fraterno Abraço!

E, entretanto, só cabe acabar com uma frase que – sei-o bem! – todos e cada um de nós de si para si dizem, quando recordam o Luís Miguel, independentemente de ser um jovem ou um sexagenário como eu: QUANDO EU FOR GRANDE, QUERO SER COMO O LUÍS MIGUEL.

Rui Bandeira
Publicado no Blog A Partir Pedra em 2 de Setembro de 2019

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