João Damião Pinheiro, maçom estabilizador
João António Neto Guerreiro Damião Pinheiro entrou neste mundo em 3 de janeiro de 1959. Saiu deste mundo, em direção ao Oriente, no dia 6 de abril de 2012, a uma sexta-feira que a sua crença religiosa denominou de Sexta-Feira Santa. Entre uma e outra data decorreram pouco mais de 53 anos. O João terminou o seu tempo entre nós mais cedo do que todos esperávamos. Por isso, a notícia da sua passagem para o Além foi inesperada para todos os obreiros da sua Loja de sempre, a Loja Mestre Affonso Domingues. Os maçons acreditam que a morte é apenas uma passagem e portanto lidam relativamente bem com ela. Mas quando essa passagem ocorre inesperadamente e quando se augurava ainda muitos mais anos entre nós daquele que segue adiante, a incredulidade, o choque, o sentimento de perda, são inevitáveis.
O João Damião Pinheiro foi um elemento que marcou a Loja Mestre Affonso Domingues. Foi – é, sempre! – um amigo cujo afastamento prematuro não podemos deixar de lamentar.
Precisamente no dia em que a Loja Mestre Affonso Domingues se une em torno da memória do João Damião Pinheiro, fazemos questão de que também aqui no A Partir Pedra seja a sua memória evocada. E este texto in memoriam tem a especificidade de ter sido escrito a quatro mãos, por José Ruah e Rui Bandeira. Ambos desejaram fazê-lo, ambos entenderam fazê-lo da forma como o João, sem dúvida, gostaria: cooperando, colaborando, corta aqui, acrescenta ali, emenda acolá.
Neste blogue, a propósito da história dos Veneráveis Mestres, escreveu-se na crónica que se pode ver aqui, sobre aquele que agora podemos já identificar como o Irmão João Damião Pinheiro, que ele foi o obreiro da estabilidade de processos da Loja e que desde então tudo ficou mais firme e definido.
João foi mais que isso, muito mais. Soube interpretar fielmente o dever de um maçom para com a sua Loja, soube ser ele próprio sem ter que abdicar de nenhum principio.
Conhecemo-lo na sua iniciação, nos idos de 1993, no Estoril, e desde então sempre lhe conhecemos apenas uma postura, a da retidão, a de fazer o que era para ser feito.
Em 1995 foi chamado a desempenhar as funções de Tesoureiro da Loja e o resultado foi o primeiro modelo de organização da tesouraria de forma não amadora, e nessa qualidade foi a muleta do José Ruah numa reunião em julho de 1996, quando ele passou à condição de Venerável Mestre eleito.
Integrou a sua equipa como Mestre de Cerimónias, e como não podia deixar de ser com aprumo. Por essa altura, aconteceu a cisão de 1996 – recentemente superada – e, numa noite de dezembro, ele esteve, como muitos outros estiveram, sentado em conjunto à roda de uma mesa. Como memória dessa noite um desenho que ele fez de uma revolução qualquer e cujo escrito era ” Carbonária – Pum Pum ( junto de cada uma das espingardas desenhadas) “, e claro, as suas intervenções.
Desempenhou praticamente todos os ofícios de Loja e sem problemas aceitou uma ultrapassagem, atrasando assim a sua eleição para Venerável Mestre um ano.
Durante o seu veneralato tocou-lhe uma situação delicada. Aberto o processo eleitoral para Grão Mestre, ele era um dos proponentes de um dos candidatos. Na loja, o seu padrinho era um dos proponentes do outro candidato. Pôs o tema em debate sem medo, recolheu o sentimento da Loja, que era diferente da sua opção pessoal, e como Homem e Maçom de honra e com a retidão que o norteava, votou na eleição de acordo com o desígnio da Loja a que presidia, não hesitando um minuto que fosse em cumprir a vontade democraticamente expressa pelos seus Irmãos.
Nós que nos achamos muito cibernéticos, devemos também ao João o primeiro sítio da Loja. Não que ele o fizesse mas porque ele achou que era o momento. Um dia chamou uns quantos a sua casa e pôs em marcha o projeto e, passado pouco tempo, o sítio via a luz do dia. Era rudimentar e com grafismo pobre, mas por sua ideia a Loja Mestre Affonso Domingues foi uma das primeiras, senão mesmo a primeira Loja da GLLP/ GLRP a ter um sitio na Internet.
Fez o seu caminho na Ordem, e nos Corpos Rituais onde desempenhou as mais prestigiosas funções, mas não foi nunca um homem de Grande Loja, não enquanto Grande Oficial, mas sim enquanto presença e conselho.
Granjeou muitas amizades, mas acima de tudo respeito. Respeito por ser um homem de ideias e de princípios. Era um enorme prazer poder ouvir o que dizia, falando sempre pouco mas assertivamente.
Era assíduo quanto baste nos últimos anos, também porque a sua vida profissional lhe exigia mais tempo fora de Lisboa. Mas quando entrava em sessão, não era apenas mais um, era sempre um de nós, na plenitude de ser Maçom e na estabilidade que o caraterizava.
A partida extemporânea para o Oriente Eterno deixa-nos um vazio. Nas colunas da sua, da nossa, Loja de sempre vai ser sempre possível rever o seu sorriso, pelo menos enquanto cá estiverem aqueles que com ele pessoalmente partilharam as agruras, mas essencialmente a felicidade, de ser Maçom.
João, um dia iremos ter contigo e sabemos já de antemão que terás já tratado de ter tudo estabilizado e pronto para nós. A memória que guardamos de ti será para nós a energia que nos permitirá continuar até chegar a nossa vez.
À Glória do Grande Arquiteto do Universo.
Escrito por José Ruah e Rui Bandeira mas, simbolicamente,
Publicado no Blog “A partir pedra” em 11 abril 2012