Curiosidade, voyerismo, ou simplesmente, requintes de malvadez…?!

Partilhe este Artigo:


Hoje infelizmente trago à baila um tema que me causa algum amargo de boca, daqueles amargos criados por um qualquer espinho purulento que se possa ter na garganta

Seja por mesquinhez humana, seja meramente por curiosidade ou simples voyerismo sobre o que se passa na vida de outrem, os tugas são uns “cuscos” por natureza…

A curiosidade sobre a forma de como o seu amigo, vizinho ou colega de trabalho vive ou age, geralmente faz parte do imaginário coletivo do povo português.

Saber o que aqueles fazem nas suas vidas, nas suas profissões, quais as  suas amizades, os seus gostos e “desgostos”, levaram a que as redes sociais crescessem de forma exponencial ao longo dos últimos anos e não apenas em Portugal, mas no resto do mundo também.

Quantos de nós aderiu ou  ainda pertence a uma rede deste tipo?

Quantos de nós fomenta e desenvolve a suas amizades e conhecimentos nestas redes sociais?

Uns porque querem de facto interagir com os seus amigos, outros apenas por quererem conhecer a vida que essas pessoas levam…

Como seres humanos, somos competitivos por natureza – essa faceta animal está intrincada no nosso ADN – e isso leva-nos a comparar o que fazemos com o que os outros fazem.

E algumas vezes nessa “competição”, a comparação entre estilos de vida é geralmente o que mais acontece. Saber que alguém tem uma vida “melhor” ou “pior” que a sua, para alguns, é o que de mais  gratificante têm na sua vida, o que só demonstra a sua pequenez de espírito.

E quando esta curiosidade abrange não exclusivamente os conhecidos, mas que se alarga a outras pessoas, sendo estas personalidades conhecidas na sociedade, tal propicia a existência de um “género literário” que tem vários seguidores não só em Portugal como também por esse mundo fora. Geralmente tal é designado por literatura “cor-de-rosa”, até porque habitualmente quem seriam os maiores consumidores deste género literário eram as mulheres. Coisa que está a mudar na atualidade.

Quem não costuma folhear algumas páginas deste tipo de revistas?

Nem que seja meramente para ajudar a passar o tempo de espera num consultório médico ou numa paragem de autocarro? Mesmo que não seja necessariamente para cuscar sobre a vida de alguém…

Mas não é particularmente sobre este género literário que eu quero elucubrar, mas sobre outro género, o do tipo informativo. Daquele que serve mesmo para informar e não o contrário.

Assim, durante a passada semana, uma publicação supostamente mediática e de cariz hipoteticamente informativo – será?! – com um título suis generis de  dia da semana e que curiosamente nem sequer é publicada nesse dia cujo o nome enverga, – opção editorial ou marketing, quiçá?- voltou à carga com o tema Maçonaria e a vida interna das principais Obediências do nosso país, nomeadamente a GLLP/GLRP da qual faço parte, e logo como manchete principal e como sendo o tema capa de revista.

Naturalmente que neste texto, bem como em outro qualquer, apenas posso expressar a minha opinião, sendo apenas por ela que sou responsável.

Sou um cidadão adulto e livre, mas acima de tudo cumpridor das regras cívicas e das leis do meu país.

E como tal, se tenho deveres a cumprir, também por sua vez, terei direitos que me são adstritos.

E um deles é o direito a associar-me e a reunir-me com quem eu bem entender, desde que tal não seja criminalmente punível.

E a expressar o que por bem eu entender, desde que tal não ofenda ou comprometa o bom nome de algo ou de alguém.

E se falei assim anteriormente, é porque quero que fique inculcado na mente de quem me lê, o que eu penso e sinto sobre este assunto em particular.

E uma vez que, sendo reconhecido como maçom e principalmente porque faço parte da Maçonaria Regular, – apenas posso falar daquilo que vivencio -, sei que nada se passa no seu interior que atente a nossa república nem a nossa democracia legitimamente eleita. Até porque tal nunca poderia ocorrer, porque qualquer Obediência Regular compromete-se em honrar e respeitar as regras do país onde se insira, bem como os maçons seus filiados, juram sempre submeter-se às leis desse país em concreto. E nem o poderiam de fazer de outra forma, pois antes de serem maçons, são cidadãos, tal como os outros, com as mesmas obrigações e direitos.

Nem acima nem abaixo, mas ao mesmo nível…

Logo, porque “carga de água” é assim tão importante saber o que se faz no interior de uma Loja Maçónica?

Não vou rebater esta questão com  os habituais argumentos e que são já por demais conhecidos, mas vou salientar principalmente o caso do voyerismo sobre a vida particular de alguém.

Não temos todos nós direito à nossa privacidade e a respeitar também o direito à privacidade dos nossos pares?

Não incorreremos nós em alguma forma de crime por usurpar esse direito a alguém?

O direito à privacidade é algo do mais importante que um ser humano poderá ter, e inclusive está resguardado na nossa Constituição da República no seu Artigo 26º, Ponto 1.

Alguém poder fazer na sua intimidade o que entender, partilhar a sua vida com quem bem entender, é algo que não deve estar dependente da curiosidade de ninguém.

Por isso, qualquer coisa que se faça na nossa intimidade/privacidade, será apenas do nosso entendimento. Nós é que sabemos se queremos tornar público ou não o que fazemos. Quem se quer resguardar, tem sempre essa possibilidade e esse direito.

Quantos de nós, reserva apenas para si, para a sua família ou para as suas amizades o que faz?

Quantos de nós também poderá ter uma vida pública, e por isso estar menos resguardado, mas que tal, foi uma decisão que tomou, uma opção que fez?!

Muitos com certeza.

Mas muitos também optaram por manter a sua vida “secreta”.

Por isso, o secretismo ou a discrição em relação a algo, não deveria comprometer quem desta forma prefere viver.

Porque será que quando não sabemos o que alguém faz, ocorre-nos a ideia que estará a fazer algo de errado ou a conspirar?

Apenas porque não conhecemos a sua vida?

E com que direito temos, para conhecer a sua vida? Se não fomos escolhidos ou convidados para tal?

É sobre isto que interessa refletir.

Os maçons não são melhores nem piores que os outros cidadãos, membros ou não de associações conhecidas ou que não integrem até sequer qualquer associação.

O que os maçons tentam fazer é melhorar a sua vida através de uma via espiritual, num contexto iniciático, por forma a que leve em ultima instância a um progresso geral social e ao seu aperfeiçoamento pessoal em concreto. E isto não tem nada de mais.

Se o maçom cumpre determinado ritual ou ritualística inerente à prossecução deste seu caminho, tal apenas lhe diz respeito a si mesmo.

O que interessa saber se faz este ou aquele gesto, se tem esta ou aquela postura corporal? Se apenas a quem o pratica, é importante o conhecer?!

Para mera cultura geral, será?! E porquê?

Que vantagens esse conhecimento trará a quem tem acesso de forma incorreta a esses conhecimentos?

Apenas conhecer, será?! Porque nada poderá fazer com eles…

Comparo isso à situação de estarmos com fome e termos diante de nós uma mesa farta e que estamos impedidos de lhe aceder. Sabemos que os alimentos estão lá, mas não os poderemos saborear. E é isto que acontece a quem acede a conhecimentos que não lhe dizem diretamente respeito. Conhecem, mas não compreendem nem tiram partido disso. São conhecimentos vazios de conteúdo e de sensação.

E mais uma vez, volto eu à carga

Porque é assim tão importante saber o que os maçons fazem?

Terão de reunir de porta aberta? E porquê? Com que motivo? Se nada de errado estarão a fazer?

Pode acontecer por vezes, e não estou a assumir que tal assim seja ou que ocorra, que certos desentendimentos possam existir. Somos seres humanos e nem sempre concordamos ou gostamos das atitudes que outros possam ter para connosco. E ter atitudes menos próprias e menos nobres poderão ocorrer por isso.

O que é importante fazer é tentar evitar tais comportamentos através do uso do diálogo e de uma sempre presente tolerância e sensatez.

– Não somos robots, logo somos feitos de carne e sentimentos…-

Mas questiono, terão essas situações de vir ao conhecimento do público?

Qual será a sua relevância?

Quando nos chateamos com amigos e colegas, também vamos a correr por a “boca no trombone”?

Vamos informar meio mundo que aconteceu isto ou aquilo?

Não resguardamos essas situações para a nossa privacidade?

Então porque teriam de os maçons, nos seus hipotéticos desentendimentos, agir dessa forma?

E qual o interesse real que tal teria para a comunidade? Senão apenas por mera cusquice ou exibicionismo?!

Mas o pior que eu considero que sucede, é que exista gente que aufira algo com essas situações. Quando violar a privacidade de alguém se torna numa fonte de rendimento.

Naturalmente que não critico quem trabalha honestamente nem qual seja a sua fonte de rendimento, desde que justa e honesta, mas também não posso deixar de criticar quem à conta da vida privada de outrem, governa a sua vida.

Será tal legítimo?!

E quando essa forma de trabalhar, menos válida no meu entender, tenta criar a ideia na generalidade das pessoas de que quem se resguarda da vida pública e que se reúne discretamente, que conspira, que corrompe, que age de forma deliberadamente imprópria ou com uma conduta marginal, para mim, roça quase a criminalidade.

Até porque quem trabalha desta forma, com as assumpções que faz, impregna na mente da generalidade das pessoas de que quem se resguarda, independentemente de ser um grupo de pessoas ou uma somente, estará a fazer algo de errado. O que nem sempre é a verdade!

O problema é que estes temas do secreto e do discreto vendem… E por venderem, existe sempre alguém interessado em comprar… Independentemente de comprar “gato por lebre” ou da legitimidade com que tal lhe é dado a conhecer.

E uma vez que tal é recorrente, seria interessante a quem assim o faz, fazer a devida reflexão se a sua atitude é a mais correta ou se o fator-dinheiro é  mais importante que a dignidade e a privacidade do ser humano.

Para mais, quando repisa constantemente sobre os mesmos assuntos, muitos dos quais nem sempre corretos  ou verdadeiros.

E resguardarem-se na sombra das fontes também não será a melhor atitude. Até porque com esse argumento poderão especular o que quiserem e sobre o que quiserem, com as consequências que conhecemos para as personalidades cujos nomes possam ser referidos.

Até porque existe gente que poderá ser prejudicada na sua vida profissional ou no seu seio familiar por apenas ter o seu nome referido ou associado a algo, mesmo que tal não seja verídico.

– As piores condenações são geralmente as que são feitas na “praça pública” e bem sabemos que nem sempre serão  julgamentos corretos ou assertivos -.

Não me importa se o assunto é um tema importante ou não, o que me interessa de facto é saber se a obtenção da (provável) informação foi obtida com o consentimento do interveniente e se a mesma é a verdadeira. Isso sim é que é relevante!

Para além de que uma informação argumentada pelo próprio interveniente terá sempre um valor que não teria se a informação fosse simplesmente especulada ou contendo alguma subjetividade relativa.

É por isso que creio que na maioria das vezes em que o tema “Maçonaria” vem à baila do conhecimento público, será quase sempre por algo que não tem interesse para a comunidade, mas apenas com o sentido de se “vender manchetes” e de se obter receitas à custa da vida particular de outrem.

Assim, continuo sem perceber se é por mera curiosidade, se por voyerismo ou se por algum requinte de malvadez, este tipo de atitude persecutória que alguns supostamente informantes terão.

Sei é que se não houvessem determinados curiosos, não haveria lugar para tanta (des)informação…

Nuno Raimundo

Publicado no Blog “A partir pedra” em 25 de Fevereiro de 2015

Partilhe este Artigo:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *