Como se faz em Loja

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Na minha opinião, o traço distintivo da Maçonaria, o que lhe confere uma identidade única enquanto fraternidade, é a forma como se processa a interacção entre os seus membros e como decorrem as reuniões de Loja.

Já no texto O que se faz em Loja dei conta que todas as reuniões se iniciam com a execução de um ritual de abertura. Tal marca a fronteira, a passagem do bulício da vida quotidiana para a concentração dos trabalhos em Loja. Todos e cada um dos obreiros, com a sua participação no ritual, interiorizam que se vai passar a estar num ambiente diferente, que, por um lado, impõe o cumprimento de regras específicas e, por outro, permite uma postura menos defensiva por todos.

Concentração, colaboração, tolerância, respeito pelo outro e opiniões alheias, ordem, são posturas tão indispensáveis, tão presentes, que rapidamente por todos são interiorizadas e praticadas. Esta postura não prejudica a afirmação das opiniões de cada um nem a expressão de eventuais discordâncias. Nem sequer anula a possível existência de conflitos. Mas permite que cada um expresse em paz e sossego as suas opiniões, dê o seu contributo, concorde ou discorde. Permite que os conflitos se resolvam ou sejam tratados com elevação. Permite e propicia que se discutam ideias, opiniões, não pessoas e características pessoais. Permite que o que cada um afirma seja analisado, discutido, julgado, pelo seu valor, pela sua pertinência, não por ter sido dito por quem o disse, por se gostar ou não gostar de quem o disse. E permite discordar, veementemente se necessário, do que outrem afirmou, sem que tal discordância, veemente embora, seja tomada como ataque pessoal.

Em Loja, a comunicação entre obreiros segue regras simples, rígidas, claras e precisas. Rapidamente aquele que acabou de chegar ao grupo as identifica. E o estrito cumprimento dessas regras conduz à redução de atritos, à boa ordem dos trabalhos, à eficácia, à colaboração. Permite que das ideias de cada um se aproveite o melhor e que a deliberação global seja, portanto, melhor, mais esclarecida, mais aceite, do que as ideias individualmente expressas. Propicia consensos. E, quando estes não são possíveis, permite que todos entendam porque se optou pela solução escolhida, em função de que argumentos se decide o que se decide.

Essas regras não são muitas, são até talvez intuitivas, mas a sua prossecução facilita em muito o processo de discussão e de tomada de decisão, gera a confiança mútua e, por via desta, cria laços de cumplicidade e solidariedade incomuns. Seguir estas regras não deveria ser exclusivo da Maçonaria, porventura não o será. Mas não as vejo comummente seguidas em mais nenhum lado. E eu gostaria, todos os maçons gostariam, que fossem naturalmente prosseguidas em tantos lados, em tantas organizações, quanto possível. Seguramente que a nossa Sociedade melhoraria um pouco…

A primeira das regras é que, salvo movimentações especificamente determinadas pelo ritual, uma vez que cada um tomou o seu lugar, ninguém se movimenta pela sala sem para tal estar autorizado pelo Venerável Mestre e sem ser acompanhado, melhor dito, conduzido por um Oficial da Loja que assume essa como uma das suas missões específicas – o Mestre de Cerimónias. Assim, não há ajuntamentos, não se criam grupos em função de posições em discussão. Cada um tem o seu lugar e permanece no seu lugar. Por si só, esta simples regra induz uma noção de ordem, de sossego, de calma, que obviamente muito ajuda à eficácia dos trabalhos e à prevenção de conflitos.

A segunda das regras é que cada um só intervém apenas e só quando a palavra lhe é concedida. Não se interrompe ninguém! O único elemento que pode interromper qualquer obreiro que esteja no uso da palavra (até o Venerável Mestre!) é o Orador, oficial da Loja cuja função é zelar pela regularidade dos trabalhos, pela preservação do ritual, pelo cumprimento das regras. Só ele pode interromper, assinalando uma falha, uma falta ou um desvio. E a sua intervenção não tem discussão. É acatada e nada mais! Se o não for, ao faltoso é, pura e simplesmente, retirada a palavra! Quando um obreiro pretende usar da palavra, assinala essa intenção com um específico gesto do braço. O Vigilante da coluna respectiva, quando o obreiro que estiver no uso da palavra tiver terminado, informará que existem na sua coluna obreiros que pretendem usar da palavra e esta ser-lhes-á concedida, por ordem de solicitação, sempre mediante prévia anuência do Venerável Mestre. Com o cumprimento desta regra, não há atropelos, não há interrupções, cada um pode, livre e calmamente, exprimir o seu pensamento. Poderá a outro obreiro parecer que quem usa a palavra está a dizer o maior disparate do Mundo. Mas tal não legitima que ele seja interrompido, que não possa expor até ao fim a sua ideia. Depois, poderá quem discorda manifestar-se e justificar porque considera a ideia exposta o maior disparate do Mundo…

A terceira regra é que cada obreiro se dirige ao Venerável Mestre e, através deste, à assembleia, nunca a um outro obreiro em particular. Não há discussões privadas, não há duelos individuais. Há apenas e tão só a exposição e defesa de ideias perante todos. É impressionante como o cumprimento desta regra agiliza a discussão séria de qualquer assunto!

A quarta regra é que se discutem ideias, não pessoas. O obreiro com que eu mais antipatizo pode ter a mais brilhante das ideias. O obreiro que me é mais próximo pode ter uma ideia péssima. Concordar com a primeira não me obriga, por si só, a passar a simpatizar com o seu autor. E discordar de uma ideia só porque não gosto do seu autor, é pura e simplesmente estúpido! E uma relação de especial amizade com alguém não me obriga a concordar com uma sua ideia que seja errada e não me desobriga de assinalar o erro. Pensar, debater e agir racionalmente, esse o objectivo.

A quinta regra é que, em relação a cada assunto, cada obreiro intervém apenas uma vez. Excepcionalmente, se a complexidade do assunto ou o rumo do debate o aconselhar, o Venerável Mestre pode autorizar uma segunda ronda de intervenções. Mas chega e é só. Consegue-se assim debater um tema e chegar a uma conclusão num tempo razoável. Cada um expõe as suas ideias, estão expostas. Só raramente surgirá a necessidade de quem já falou clarificar, aprofundar, o seu pensamento (ou,em função do debate, expressar a modificação da sua posição). Não é útil o repisar de posições, a insistência no que já se disse. Todos ouviram à primeira…

A sexta regra é conhecida: não se discute em Loja política ou religião. Mesmo com toda a tolerância, com todos os cuidados, é melhor prevenir que remediar… E, afinal, a religião de cada um é com cada qual e cada um tem direito a ter as suas opções políticas sem que ninguém tenha nada com isso…

O simples cumprimento destas intuitivas regras (porque será que é tão raro que assim se veja?) permite chegar, em prazos razoáveis, às melhores soluções ou conclusões possíveis, sem ferir pessoas ou os seus sentimentos, propiciando consensos.

E destas discussões efectivamente nasce a luz! E assim, com os sérios contributos de todos, se reforçam os laços de amizade e de fraternidade. E assim cada vez é mais fácil discutir, sem traumas, sem desconfianças, temas cada vez mais sensíveis ou complexos. E assim obtemos os nossos consensos com alegria e assentamos nas nossas discordâncias sem azedume. Porque, sempre!, cada um de nós, acima de tudo, respeita as opiniões alheias e vê as próprias respeitadas, tolera os erros ou as diferenças alheias, como vê os seus próprios erros e idiossincrasias tolerados.

Como se faz em Loja? Com ordem, com regras, com respeito, com tolerância. Em suma, com Harmonia!

In Blog “A Partir Pedra” – Texto de Rui Bandeira (30.01.08)

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