Do valor da imaginação
No último texto, mencionei uma das razões porque decidi publicar aqui no A Partir Pedra o texto, dividido em duas partes de Frederic L. Milliken. Agora é tempo de referir a outra.
Quem segue com alguma assiduidade este blogue já terá certamente percebido qual a minha posição quanto à abertura da Maçonaria à Sociedade.
Não sou cultor do secretismo absoluto. Terá sido necessário aqui noutros tempos. Será porventura ainda necessário noutros lugares. Na sociedade democrática da informação do século XXI, não me faz sentido.
Também já deixei bem claro que não sou adepto das “paredes de vidro”, tudo divulgando, tudo deixando devassar. A Maçonaria, como qualquer pessoa ou instituição humana necessita e tem direito a uma zona de privacidade. Reconhecê-lo é uma simples questão de bom senso.
Sou adepto da política de definir e dizer claramente quais os aspetos que reservamos para nós e porquê. Fi-lo já, claramente e sem ambiguidades, neste blogue, designadamente na série de textos A propósito do segredo maçónico, Porque se guarda o segredo maçónico, Reserva de identidade, Reserva sobre as formas de reconhecimento, Reserva sobre rituais e cerimónias, Reserva sobre trabalhos de Loja e O segredo maçónico esotérico. Entendo que as pessoas sérias e bem-intencionadas percebem a razão de ser da reserva, quando esta é claramente afirmada e explicados os seus alcance, limites e motivos. Os outros, aqueles cujos preconceitos os inibem de ser intelectualmente sérios e bem intencionados, não me interessam nem preocupam.
Não sou também nem adepto de tudo esconder, para criar ou manter o mito dos “excelsos segredos e conhecimentos”, que poderia impressionar uns quantos ingénuos, mas só contribuiria para desiludir quem buscasse a Iniciação, na mira de conhecer tão inefáveis como inexistentes segredos, nem de tudo revelar, dinamitando assim o teor de surpresa, de experiência vivida, que absolutamente deve estar presente no contacto daquele que é Iniciado com a Maçonaria e daquele que nela avança com os ensinamentos postos sob a luz da sua atenção, essencial para ativar e impressionar a sua inteligência emocional, permitindo que não só se aprenda como apreenda, que não só se saiba, como se viva, que não apenas se assista ou veja, mas se experiencie.
Embora alerte todos os que me manifestam interesse na Iniciação contra o perigo de ser a mera curiosidade a fonte do seu interesse, é claro que não sou insensível e compreendo e aceito e acho natural que haja uma componente de curiosidade em quem se interessa pela Maçonaria. Que se goste de saber o que se faz, como se faz, como são os rituais, etc.. É humano, é natural, é saudável. No entanto, a reserva sobre os rituais existe e concordo totalmente em que exista (um dos textos acima indicados explica porquê) e eu, como os demais maçons, cumpro o meu compromisso de manter essa reserva. Não só por ela, embora já tenha declarado entender e concordar com a razão da sua existência. Também porque nisso empenhei a minha honra. Procuro sempre manter o delicado equilíbrio necessário para esclarecer, divulgar, explicar, sem trair o meu compromisso e sem prejudicar os motivos da reserva do que é reservado.
Penso ter logrado um bom equilíbrio, por exemplo, nos textos A Iniciação (I) e A Iniciação (II). Pensava aí ter ido tão longe quanto possível, permitindo que os interessados tivessem a noção do autêntico rito de passagem que é a Iniciação, como ritos de passagem são todas as demais cerimónias que marcam o avanço na Maçonaria.
Quando li o texto de Frederic L. Milliken, percebi que afinal podia ir um pouco mais além. Com aqueles dois textos sobre a Iniciação, os interessados ficaram com a noção INTELECTUAL do rito maçónico. Ao publicar o texto de Frederic L. Milliken, podia proporcionar-lhes um pouco mais. Porque o que ali está descrito é, no fundo, um simples ritual de passagem, com a particularidade de o seu autor ter usados o tipo de linguagem maçónica e procurado descrever alguma da ambiência envolvente que se procura garantir nos “rituais verdadeiros” (ou “graus terrenos”, como se dizia no texto). O texto é – ninguém tem obviamente dúvidas disso! – ficção, o fruto da imaginação do seu autor. Mas cada leitor, ao lê-lo, se usar a sua própria imaginação e se colocar na posição do “tomador do último grau” pode ter uma pequena noção do que se procura seja vivenciado por aquele em favor de quem é executada cada cerimónia. Não é verdadeira vivência de verdadeira cerimónia, claro que não é. Não permite marcar a sua inteligência emocional, claro que não. Mas porventura, poderá dar a noção de como isso é feito…
No tal delicado equilíbrio entre o que entendo que posso mostrar e o que aceito que devo esconder, o texto de Frederic L. Milliken, permite ir um poucochinho mais além. Por isso mereceu a sua publicação neste blogue!
No texto Do valor da parábola, a razão para a publicação que ali adiantei era pessoal, o efeito que o texto de Milliken teve em mim. Terá também tocado a alguns dos leitores, porventura nem por isso a muitos outros. Neste texto, apresentei a razão “institucional” da minha decisão de publicação. Gosto de divulgar, gosto de esclarecer quem quer ser esclarecido (não de terçar armas com quem busque estéreis embates de pretensas habilidades retóricas), gosto de debater Maçonaria com quem quer estiver interessado nesse debate (não em duelos ao pôr-do-sol…). A divulgação não se faz só com textos mais ou menos profundos, mais ou menos factuais, mais ou menos argumentativos. Também se faz com a ilustração, o estímulo da imaginação. E, neste aspeto, pouco importa o que se diz no texto de Milliken, antes interessa como se diz. Não releva tanto a árvore como a estrutura da floresta. Não se busca a possível pérola (que o galo de Esopo rejeita), mas antes verificar a estrutura da ostra.
Rui Bandeira
Publicado no Blog “A partir pedra” em 19 de Março de 2009