Regras Gerais dos Maçons de 1723 – VI

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Nenhum homem pode ser considerado Irmão de qualquer Loja, ou admitido membro desta, sem o consentimento unânime de todos os membros da Loja presentes quando o candidato é apresentado; e estes devem expressar seu consentimento ou dissensão de sua própria e prudente vontade, virtual ou ritualmente, mas unanimemente; este procedimento não pode ser objecto de exceção, porque os membros de uma Loja são os melhores juízes; pois se lhe fosse imposta a admissão de um candidato de mau comportamento, isto poderia minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos.

A regra da unanimidade na admissão de um candidato é uma regra essencial da Maçonaria, que perdura desde tempos imemoriais. A própria transcrição da regra contém a sua justificação.

Esta regra da unanimidade constitui um poderoso cimento agregador dos obreiros de uma Loja. Quem nela entra, entra porque todos os que já lá estavam assim o permitiram. Todos são responsáveis pelo novo elemento. Ele não, foi, assim, apenas admitido. Foi verdadeiramente cooptado. Se a integração do novo elemento do grupo falhar, não há necessidade de determinar culpas, de as lançar sobre o novo elemento ou sobre quem o propôs ou o inquiriu. Todo o grupo assume a responsabilidade do fracasso, como todo o grupo se regozija com os êxitos das boas integrações.

Convém ter presente que também na Maçonaria o voto relativo a pessoas é sempre prestado de forma secreta. No caso, mediante o sistema maçónico de bola branca e bola preta, pelo qual a cada votante é entregue uma bola de cada uma dessas cores. O voto favorável de cada um é expresso através da introdução da bola branca na urna de voto principal (chamada de “urna branca”) e, como contraprova, da bola preta na urna secundária ou de contraprova (chamada de “urna preta”).

Depositados todos os votos, a verificação, sempre que exigida a regra da unanimidade, é fácil: se a urna branca apresentar todas as bolas dessa cor, o resultado é favorável; se apresentar uma ou mais bolas negras, o resultado é desfavorável. Logicamente, a urna de contraprova deverá apresentar as bolas todas negras, se a votação foi unânime, ou o número de bolas brancas correspondente ao de bolas pretas introduzidas na urna principal.

A votação de aprovação é designada por uma votação pura e sem mácula, por apresentar todas as bolas da mesma cor.

A regra da unanimidade, porém, sendo geradora de grande coesão, não é isenta de efeitos perniciosos. Basta ter presente que, ainda hoje, em meia dúzia de Grandes Lojas do sul dos Estados Unidos, pura e simplesmente não são admitidos candidatos cuja cor da pele seja negra. Neste caso concreto, a regra da unanimidade acaba por potenciar o racismo e os sentimentos racistas que imperaram naquela região do globo e que a evolução social das últimas décadas não logrou ultrapassar totalmente.

Este sistema de aprovação unânime permite que basta que exista na Loja um elemento racista que, anonimamente, deposite sempre o seu voto contrário, para bloquear a admissão de candidatos negros. Foi isto que sucedeu nos Estados do sul dos Estados Unidos e que, numa meia dúzia deles, ainda hoje sucede.

Mesmo não tendo em conta esta perversão do sistema, o certo é que o sistema de aprovação unânime, favorecendo enormemente a coesão do grupo, é tendencialmente um sistema altamente conservador, tendente a bloquear a entrada de diferentes, o que é obviamente muito perigoso para a instituição, por dificultar a sua evolução e o acompanhamento das mudanças sociais.

A meu ver, este sistema de voto unânime quanto à admissão, tendo as óbvias vantagens que tem, é também um importante causador de declínio da Maçonaria, sempre que as sociedades evoluem com mais rapidez. Por outro lado, obriga as Lojas a estarem atentas às evoluções sociais e os elementos que as constituem a não se deixarem enquistar em conceções retrógadas, sob pena de inelutável definhamento.

Reconhecendo o benefício para a coesão do sistema de voto unânime, mas procurando ultrapassar os seus malefícios, várias Obediências têm procurado adotar estratégias que, temperando a regra da unanimidade, permitam ultrapassar bloqueios perniciosos. Um dos meios utilizados é, na prática, acabar com a regra da unanimidade, exigindo uma maioria reforçadíssima, por exemplo, considerando votação favorável aquela que tenha apenas um ou dois votos contra. Compreendendo-se o propósito, o certo é que não há meios termos: ou se segue a regra da unanimidade ou não se segue. A exigência de apenas uma quase-unanimidade, se é certo que ultrapassa bloqueios, também liquida a responsabilidade global da Loja e permite que ocorra o que a Regra procura impedir, que surja uma situação passível de minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos.

A Loja Mestre Affonso Domingues utiliza um sistema que concilia os dois propósitos, defender a coesão e evitar bloqueios indesejáveis: um sistema que denomino de unanimidade justificável. Consiste esse sistema na manutenção da exigência da unanimidade, mas impondo, em certas condições, a justificação de votos negativos. Assim: efetuada votação, se esta for pura e sem mácula, o candidato está aprovado; se houver três ou mais bolas negras, o candidato está rejeitado, independentemente do número de votantes e mesmo que esses votos negativos sejam uma muito pequena minoria; se se verificar a existência de uma ou duas bolas negras, o Venerável Mestre anuncia que, até à sessão seguinte, fica suspenso o apuramento do resultado e que, até lá, aquele ou aqueles que votaram negativamente, devem, em privado, comunicar-lhe as razões da sua oposição.

Se quem votou negativamente não se apresentar a comunicar as suas razões, conclui-se que o voto contrário foi fruto de mero lapso e, assim, é desconsiderado. Comunicando (sempre em privado e guardando o Venerável Mestre sigilo da sua identidade) o ou os opositores as razões da sua oposição, se estas forem fúteis ou irrazoáveis, o voto negativo é desconsiderado; se as razões apresentadas forem, ainda que meramente do ponto de vista individual de quem votou contra, consistentes e razoáveis, o Venerável Mestre, mesmo que delas discorde, tem de considerar o voto negativo válido – porque não decorrente de um mero lapso ou de motivo fútil ou irrazoável – e, portanto, o candidato não é admitido.

Assim se consegue manter a regra da unanimidade, mas evitar a sua perversão por mero lapso, futilidade ou irrazoabilidade. A Loja Mestre Affonso Domingues tem-se dado muito bem com este sistema, mantendo-se aberta à inovação e à diferença e preservando a sua coesão. Também é verdade que raramente um candidato tem bola negra na sua votação, mas isso deve-se a outra razão: é que o processo de seleção de candidatos da Loja Mestre Affonso Domingues é tão cuidadosamente seguido (e também muito morosamente seguido; mas isso acaba talvez por ser inevitável, se se quer ter cuidado com o que se faz), em etapas eliminatórias atentamente observadas, que raramente um candidato sobre o qual se coloquem dúvidas pertinentes chega à fase da votação; normalmente, nessa situação, perante essas dúvidas, o processo termina sem sequer se atingir essa fase…

Rui Bandeira

Publicado no Blog A Partir Pedra em 6 de Junho de 2012

Fonte

  • Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.
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