Regras Gerais dos Maçons de 1723 – V
Nenhum homem pode ser Iniciado ou admitido como membro de uma Loja sem prévia comunicação, à mesma, com antecedência de um mês, para que se faça uma investigação sobre a reputação e capacidade do candidato, a não ser com autorização como a do número anterior.
Esta quinta regra determina dois princípios que ainda hoje continuam a ser escrupulosamente seguidos e que, sem dúvida, constituem pontos essenciais no processo de admissão de qualquer novo elemento: a Inquirição e a Exposição nos Passos Perdidos.
A Inquirição é o processo de tomada de conhecimento pela Loja de quem é aquele que se lhe quer juntar, quais os seus propósitos. Ou seja, de averiguação e certificação de que se trata efetivamente de alguém livre e de bons costumes, que de boa fé procura aceder e prosseguir no caminho do autoaperfeiçoamento, segundo o método maçónico. Ou ainda dito de outro modo, que se está perante um homem bom passível de se tornar um homem melhor.
Mas outros elementos são verificados no processo de inquirição, designadamente o enquadramento social e familiar do candidato e sua compatibilização com a atividade maçónica e as caraterísticas do candidato e sua capacidade de harmoniosa integração no grupo pré-constituído. Com efeito, muito difícil será que, por muito desejoso disso que esteja o candidato, proficuamente se trilhe um caminho maçónico com a oposição do cônjuge ou dos familiares próximos. A Maçonaria pressupõe sempre a prioridade que cada um dos seus elementos deve dar à família e, consequentemente, procura evitar conflitualidade entre a Família e a Maçonaria que, mais tarde ou mais cedo, obrigue à opção por uma ou por outra. A regra é a da harmonização entre as obrigações familiares (e também sociais e profissionais) e as obrigações maçónicas, não a do conflito entre ambas. Busca-se a coexistência e que cada vertente contribua para a melhoria do homem, assim mais bem integrado em cada uma das realidades. Sem a presença das necessárias condições de coexistência, o percurso maçónico, o propósito de melhoria, tornam-se impossíveis de concretizar. Por outro lado, a busca maçónica pressupõe que aquele que a deseja possua ideias próprias, assertividade e autoconfiança, mas implica também a necessária flexibilidade para se adaptar a um grupo que já existe e, oportunamente, poder contribuir para o seu fortalecimento, coesão e melhoria, não para ser fonte de conflitos, dispersões, enfraquecimento global.
Dentro de um padrão global, que se poderá considerar universal, cada Loja estabelece as suas práticas, métodos e prioridades no processo de Inquirição dos seus candidatos. A diversidade da natureza humana e dos grupos humanos é quase inesgotável. Não admira assim que um candidato que se acha adequado para se integrar numa Loja fosse, porventura pernicioso se incluído numa outra, tal como a integração numa Loja pode potenciar muito mais a evolução de um específico candidato do que se essa integração ocorresse numa outra Loja.
A exposição da candidatura nos Passos Perdidos, ou seja, a afixação do pedido de admissão à Iniciação do candidato em local próprio das instalações da Obediência para tal efeito, visa permitir que, no decorrer do processo de Inquirição, o máximo de elementos, quer da Loja, quer de outras Lojas da Obediência, tomem conhecimento do propósito existente e possa, assim, se for caso disso, expor qualquer objeção que tenha por pertinente. Procura-se assim evitar surpresas na avaliação do candidato, contraponto indispensável à plena e incondicional confiança que, uma vez admitido e iniciado, o grupo lhe devotará.
Uma referência à expressão “Passos Perdidos”, que julgo exclusiva da Maçonaria Portuguesa. Em Portugal, os “Passos Perdidos” são o espaço, o hall exterior à sala das sessões da Assembleia da República. Nesta Casa da Democracia, muitos entendimentos são negociados, muitas estratégias políticas discutidas, muito do que é decidido na Sala das Sessões toma efetivamente forma nos Passos Perdidos. Por analogia, nas edificações maçónicas em Portugal designa-se por “Passos Perdidos” os corredores ou o hall exterior ao Templo onde se realiza a sessão maçónica. Por norma, é num desses espaços (por regra, não utilizáveis nem utilizados para atividades administrativas ou rituais) que se afixam as propostas de candidatura, para que fiquem disponíveis para apreciação de todos os obreiros. Daí que, em Portugal se designe essa afixação por exposição nos Passos Perdidos.
Uma única exceção existe para estas cautelas e este rigoroso processo de avaliação: a faculdade que assiste ao Grão-Mestre (ou Vice-Grão-Mestre em substituição do Grão-Mestre) de “fazer maçom à vista”, isto é, iniciar alguém maçom, independentemente de prazos, inquirições ou exposições nos Passos Perdidos. Numa das existentes coletâneas de Landmarks, a de Mackey (popular, designadamente, no continente americano), integra mesmo o oitavo dos Landmarks elaborados. Na Regra dos Doze Pontos, documento fundamental da Maçonaria Regular europeia, não se faz expressamente referência a esta possibilidade de o Grão-Mestre “fazer maçons à vista”. Mas a segunda Regra expressamente remete para a obediência aos Antigos Deveres, ou seja, às Regras Gerais dos Maçons fixadas por Anderson na Constituição de 1723. Esta é uma dessas Regras Gerais. Por esta via também a Maçonaria Regular europeia declara a prevalência do poder conferido ao Grão-Mestre de “fazer maçons à vista”.´Este poder não se resume à Iniciação, estendendo-se à Passagem (ao 2.º grau, de Companheiro) e à Elevação (ao 3.º grau, de Mestre Maçom). Constitui uma das “válvulas de segurança” do sistema de regras maçónico para possibilitar a atuação excecional perante situações excecionais. É uma regra de aplicação muito parcimoniosa, verdadeiramente excecional, hoje em dia francamente rara… mas existe e é aplicável, sempre que necessário o seja.
Rui Bandeira
Publicado no Blog “A partir pedra” em 30 de Maio de 2012
Fonte
- Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.