Origem e primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceite – Antecedentes em Inglaterra
Para se entender as circunstâncias do surgimento e estabelecimento do REAA, há que começar por relembrar alguns factos anteriores, quer especificamente relacionados com a Maçonaria, quer factos históricos em geral.
As Lojas operativas de construtores em pedra regulavam o ofício e transmitiam os ensinamentos a ele inerentes, conjuntamente com normas éticas e conhecimentos científicos vindos de tempos imemoriais, particularmente no domínio da Geometria. Foram essenciais na regulação do ofício da construção em pedra por toda a Idade Média. Porém, o Renascimento, a difusão, tímida mas paulatina, do Conhecimento, facilitada pela divulgação na Europa da impressão mecânica – e consequente embaratecimento e disponibilidade de livros -, a aquisição por operários exteriores às Lojas das técnicas de construção, foram insensível mas inevitavelmente desgastando a capacidade de influência e a relevância social das Lojas operativas. Cada vez mais sabiam construir sem terem aprendido a fazê-lo em Lojas operativas de construtores. Cada vez menos estas regulavam eficazmente o acesso ao ofício.
A lógica natural da evolução levaria à extinção das Lojas operativas – como sucedeu por essa Europa fora. Porém, na Escócia, na Irlanda, em Inglaterra, uma evolução ligeiramente diferente ocorreu. Os operários construtores reagiram à crise abrindo as suas Lojas a não construtores. Aos senhores que lhes encomendavam trabalhos, a membros da pequena nobreza rural, a pessoas interessadas no saber, que aos saberes simples herdados de muitas gerações atrás assim acediam. Naturalmente que, a pouco e pouco, esses maçons Aceites passavam a ter cada vez mais importância nas Lojas, estas deixavam de ser centros reguladores da Arte de Construir e passavam a centros de debate e difusão de conhecimentos. Evoluía-se assim da Maçonaria Operativa para uma nova realidade: a Maçonaria Especulativa.
Esta evolução processa-se ao longo de todo o século XVII e início do século XVIII e, naturalmente, ocorre em ritmos diferentes, sendo aceitável que tenha sido mais acelerada em centros urbanos que rurais, mais profunda e rápida em Londres do que na Escócia ou em York.
Assim se chega a 1717 e à criação por quatro Lojas londrinas da Premier Grand Lodge. Este momento marca o início dito oficial da moderna Maçonaria Especulativa, mas não só. Consumou-se também um corte decisivo com parte das tradições vindas da operatividade. Desde logo a independência total e absoluta de cada Loja. Mas também uma assumida intenção de rever e atualizar os rituais herdados dos tempos operativos e que já não correspondiam cabalmente às necessidades das Lojas Maçónicas especulativas. Os maçons da Premier Grand Lodge encetaram um movimento codificador mas também modernizador das Tradições recebidas da operatividade. Neste percurso não foram acompanhados, nem tiveram a concordância daqueles que prezavam as Tradições trabalhadas e que não viam com bons olhos as modificações que iam sendo introduzidas. Estavam criadas as condições para o que, não muito mais tarde – ainda na primeira metade do século XVIII -, veio a ocorrer na nóvel Maçonaria Especulativa britânica: a primeira grande separação, entre os Modernos (os renovadores da Premier Grand Lodge) e os que se agruparam na Grande Loja dos Antigos (que se declaravam os verdadeiros herdeiros da Tradição maçónica).
Paralelamente, a Grã-Bretanha viveu no século XVII a Guerra Civil, que opôs os partidários do rei Carlos I aos partidários do Parlamento, liderados por Oliver Cromwell. Carlos I acaba por ser preso, condenado á morte e executado, em 1649. Esta primeira guerra civil, essencialmente entre o monarca absoluto e o Parlamento, defensor de uma monarquia parlamentar, conteve os germes de uma outra confrontação: é que o Parlamento era essencialmente constituído por protestantes, que, além do mais, verberavam a Carlos I o seu casamento com uma católica e a sua participação nas guerras europeias da época, consideradas pelos parlamentares como cruzadas católicas. Nascia também uma dissensão religiosa, que veio a culminar em outra confrontação, entre o final do século XVII e meados do século XVIII: a chamada Revolução Gloriosa, que decorreu entre 1695 e 1740. No reinado de James II, da dinastia Stuart, católico, atingiram o rubro as contradições entre católicos e protestantes, entre os direitos seculares da coroa e os poderes do Parlamento. James II, deposto, exilou-se em França. O trono foi entregue a sua filha, protestante, Mary, e seu genro, William de Orange, também protestante, que foram coroados em conjunto como Mary II e William II, e iniciaram a dinastia de Orange. Durante décadas, a confrontação entre os católicos Stuart e os protestantes Orange dividiram as Ilhas Britânicas.
Chegamos assim à segunda década do século XVIII, em síntese, com esta situação:
- a) Organizava-se a Maçonaria Especulativa em Inglaterra;
- b) Parte da classe nobre inglesa – designadamente os católicos (ou jacobitas – não confundir com os jacobinos, fação extremista da Revolução Francesa) – estava exilada em França, integrando uma corte no exílio dos pretendentes Stuart à recuperação do trono britânico;
- c) A nobreza inglesa já tinha, a partir de finais do século XVII, integrado as lojas maçónicas e participado na transição da maçonaria operativa para a especulativa;
- d) Parte dessa nobreza acompanhou os Stuart no exílio em França.
- e) Pesem embora as rivalidades e inimizades políticas, os maçons católicos e protestantes, apoiantes dos Stuart ou dos Orange, tinham-se já habituado a conviver fraternalmente nas Lojas maçónicas.
Os eventos seguintes que vieram a originar o aparecimento do REAA repartem-se, então, entre Inglaterra e França. Serão objeto do próximo texto.
In Blog “A Partir Pedra” – Texto de Ruia Bandeira. (19.01.2011)